quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Flerte com a realidade

Era uma vez um menino.
Era pouco levado e meio contente.

Haveria na escola a comemoração do dia do índio. E a tia Damaris disse que “Quem quiser pode vir vestido de índio.”
Ele queria muito ir vestido de índio!

As coisas não eram fáceis naquela época e não havia quem cuidasse dele ou que se dispusesse a ajudá-lo com a roupinha de índio. Tinha seis anos, mas o tamanho dizia outra coisa. Miúdo com cílios gigantes. O cabelo ninguém se lembrava de levá-lo cortar. Um dia a Tia Damaris parou a aula, deixou as outras crianças copiando lição da lousa, sentou no fundo da sala e cortou seu cabelo que estava enorme. Ele lamentou muito perder de fazer uma lição tão gostosa. Era o dia de fazer “serra serra serrador, serra o papo do vovô” que sobe e bate na linha de cima e desce e bate na linha de baixo. Neste dia a tia lhe deu de presente, escondido dos outros é claro, um bombom. Ele escondeu na lancheirinha a pedido dela e seguiu a orientação de só comer em casa.
Tinha uma lancheirinha com desenho de uvas e morangos, na qual ele levava só meio pão todos os dias. Ele mesmo preparava e recheava com uma pelinha de margarina, que ele odiava.

O irmão mais velho, que tinha lá seus 14 anos - o único que ainda olhava pra ele - arrumou um tempo entre a escola e o trabalho e se dedicou a ajudar com a roupinha de índio.

Foram no terreno da frente catar folhas da ameixeira que estavam caídas no chão. “Pega só as que ainda estão verdes!”.
Pegou uma fita crepe, juntou as folhas e fez uma sainha de índio. As folhas batiam no joelho do menininho. Ele ficou tão contente! Tão contente! Não acreditava que ia mesmo de índio na escola!
O irmão também pintou o seu rosto com canetinha, fez um cocar com um pedaço de pano e grudou uma folha que apontava pro céu.
O menininho insistiu em ir descalço “A tia falou que índio não usa sapato!”. Mas o irmão explicou que ele tinha que ir de sapato e só tirar quando chegasse na escola... e não era pra esquecer de colocar na mala e trazer de volta.

Ele desceu a rua a caminho da escola pisando diferente... todos olhando pra ele e dizendo “Olha o indiozinho, que bonitinho!” E o orgulho o fazia abrir o sorriso e exibir os dentinhos podres.

Quando chegou na escola a tia Damaris deu um sorrisão e disse: “Mas falta um colar!” Puxa, o irmão se esqueceu de fazer um colar! E agora?

A tia tirou do seu pescoço um colar enorme feito de sementes, deu duas voltas e laçou a cabeça dele. “Ficou lindo! É o índio mais lindo que eu vi hoje!”

Havia muitos outros índios. Com cocares enormes de penas coloridas. E saias de estopa, muito bonitas, muito enfeitadas. Mas ele tinha tanta certeza de que era o mais bonito... não tinha como duvidar. A tia falou!!!


Naquele dia ele, que sempre era o segundo na formação da fila pra entrar na sala de aula, ficou na frente do Moacirzinho. “Hoje o Leandrinho vai ficar na frente da fila porque ele foi o único da classe que veio de índio, tá bom?!

4 comentários:

  1. Nem é show, Leandro! É uma festa que o D-edge vai fazer (que vai acontecer onde é a The Week na verdade). Voce deveria ir! :P

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  2. Por td e muito mais eu te amo.

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  3. Tia Damaris... eu a vi essa semana! Foi minha professora da primeira série... seria tão bom se a gente pudesse voltar no tempo e ver esse indiozinho aí, orgulhoso, na ponta da fila :)

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