quinta-feira, 23 de setembro de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sopa de maçã

Detalhes que ficam na lembrança são como dentes persistentes.

E a história é mais ou menos esta:

Era uma cidade pequena.

Uma família de posses médias.

Deve fazer uns 50 anos. Um tempo em que gravidez ainda era uma reluzente combinação de alegria e temor.

Chamaram um padre cauteloso quando as contrações começaram e ele improvisou uma receita de bênção acompanhada de extrema unção e um toque de exorcismo.

A parteira também estava preparada para intervir troglodita caso os pezinhos quisessem se adiantar à cabeça, ou se a criança insistisse em não vir ao mundo.

Foi um dia em que as tensões de nove meses deixaram de ser segredo. Tinham medo que houvesse dedos demais ou de menos, e pavor ao recordar-se do parente distante que nasceu cascudo, pretejado e verruguento.

Era um tempo em que a natureza escondia as surpresas o máximo que podia.

Nem era mesmo possível agradecer com sinceridade os presentes cor de rosa ou azuis.

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As dores duraram quase uma noite inteira. Mas tudo acabou bem. Um alívio que veio com o sol - que sempre nasce.

Os pais ficaram um pouco surpresos, mas não menos felizes.

Duas lindas menininhas.

Logo depois de emboladas e limpas pela parteira, as duas foram colocadas ao lado da mãe exaurida e pálida.

Pareciam dois enormes feijões brancos.

Sorriam desde os primeiros minutos de vida. Mas nunca ao mesmo tempo

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Eli e Edi, "As risadinhas", eram a graça da família.

Todo mundo queria uma foto com elas. Bastava que lhes tocassem os pezinhos, a bochecha, ou mesmo ameaçassem fazer cócegas, e elas gargalhavam alto.

A mãe havia decidido amamentar as duas até que começassem a andar. Mas Eli começava a incomodar pois os dentinhos já haviam apontado. Não sabia sugar sem morder. Foi condenada à mamadeira.

Edi continuou mamando no peito. Cada vez em um. Variedade. E sem pressa.

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Na escolinha Eli tornou-se um dos seres mais temidos. Quando contrariada se jogava feito bicho de boca aberta no braço das coleguinhas e professoras. Era comum voltar pra casa com pingos de sangue na roupa.

Edi continuava nas sopinhas e papinhas. Quatro anos e nada de um dente aparecer. Morria de vontade de mastigar um pedaço de carne.

O dentista dizia que por volta dos 7 anos os dentes permanentes começam a nascer e provavelmente os dela também nasceriam.

- Dentadura? Pra uma criança? Não. Pode comprometer o crescimento da mandíbula.

Era melhor esperar.

Edi só voltou a ter seu momento de bonitinha por volta dos seis anos de idade, quando as crianças perdem os dentes da frente e exibem um charme banguela. Bastava que não abrisse demais a boca para que não percebessem que não lhe faltavam um ou dois, mas todos os dentes.

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Chegaram aos 9 anos.

Eli com muitos dentes de leite trocados, alinhados e de uma brancura e força incríveis. Bastava que sorrisse ao pé das macieiras para que uma fruta despencasse às suas mãos.

Edi ainda sem nenhum. Retornou ao dentista e chorou. Ele então preparou uma prótese que permitia que fizesse ajustes periódicos para que não prendessem a mandíbula da menininha.

Sangrou muito nas primeiras semanas. Edi passou muitas noites em claro. Mas aguentou a dor rezando todos os dias para que a gengiva, até então com textura de clara em neve, se calejasse.

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Lá pelos tempos de ficar mocinha, Eli, que não poupava o mundo dos seus sorrisos ensaiados desde a primeira infância, passou a reclamar muito de dores em toda a boca.

Edi lhe respondeu com inveja branca:

- Deve ser o siso que tá querendo nascer.Que legal!

Foi ao dentista e ele então extraiu os quatro de uma vez.

Ela teve uma hemorragia. Ficou acamada e feliz em casa porque pôde enfim tomar as sopas que durante muito tempo foram quase exclusividade da irmã desdentada.

O alívio durou pouco. Semanas depois a dor voltou.

Em todos os anos de experiência o dentista nunca tinha visto aquilo.

- Estão nascendo mais quatro caninos. E estão empurrando os outros dentes. Vamos ter que arrancar.

Depois apontaram dois incisivos novos. E o sorriso começou a se estragar de vez. A cada dia ficava mais difícil ser bonitinha.

Nos anos que se seguiram os traumas com as extrações se tornaram frequentes. Duas ou três vezes por ano, quatro dentes extraídos.

Eli perdeu a confiança em morder o que quer que fosse. Enfraqueceu. Os cantos dos olhos caíram.

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Perto dos 18 anos Edi ganhou enfim uma prótese mais ou menos fixa.

As gengivas já estavam firmes. A língua já havia se disciplinado e agora cabia na boca fechada.

Em casa queriam comemorar a dentadura nova. Mas ela pedia encarecidamente que chamassem de “prótese”. Dentadura era coisa de velho.

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Eli, antes de chegar aos 30 anos já sentia fundo as dores da solteirice que a perseguiria. Tinha uma vida que se parecia muito com a cara murcha e atrofiada. Passava o tempo entretida com a administração dos analgésicos do dia e da noite.

A mãe havia lhe dado de presente um caderno copiado à mão, com as suas mais deliciosas receitas de sopas.

Em mais uma tarde de tristeza sentiu uma saudade enorme da irmã que havia se casado e mudado de cidade. Decidiu escrever uma carta bem curta falando de lembranças da infância. No final escreveu:

“Quando eu morrer. Quero que recolha da minha boca alguns dentes e guarde em segredo com você. Dê preferência aos mais antigos e persistentes. “

terça-feira, 25 de maio de 2010

Papiro de Ebers

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O TEXTO ABAIXO É DOTADO DE CONTEÚDO ERÓTICO NÃO INDICADO A MENORES DE 18 ANOS.

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No consultório a moça relutou.

Fez diversas perguntas, pediu nova receita de anticoncepcional e falou de umas dores que andava tendo na região dos rins. Dores que ela achava ter a ver com os ovários.

Era lamentável, mas estava decidida a não tocar no assunto que realmente a levara até lá.
Levantou-se da cadeira em direção à porta.
Já havia até se despedido e apertado a mão do doutor.

De repente, deu uma rasteira na vergonha.
Falou bem depressa para que nada pudese impedi-la.

- Faz mal engolir esperma, doutor?

Ele fez um esforço enorme para não rir. Respirou fundo e fingiu um espirro. Respondeu meio que sem pensar.

- Pode não fazer bem. Mas... mal não faz!
- Certeza, doutor?
- Certeza!

Foi embora aliviada.

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O riso mais delicioso é o que se dá sozinho. Consigo ou de si próprio.


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Saiu depressa do consultório, e a vergonha correu atrás dela.
Alcançou.
Ficou corada.
Como teve coragem?

Lembrou-se do sábado anterior. Do susto que levou quando sentiu aquele gosto na boca.
Lambeu os beiços.


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O novo namorado era um rapaz que trazia em cada gesto, em cada ângulo, uma virilidade capaz de fazer tombar de desejo.

Gemiam ao vê-lo. Gozavam ao tocá-lo. Morriam quando ele partia.

Durante o sexo dizia indecências que revelavam seu ego tão bem estruturado quanto seu porte.

Na primeira noite em que estiveram juntos na cama ela se assustou com as proporções incomuns que percebeu com as mãos. O quarto estava quase escuro. Ela lhe disse baixinho:

_ Devagar no começo, por favor!


Quando a festa começou ela pensou: "Deus existe!"

E a heresia foi recompensada com um orgasmo que a deixou atordoada a ponto de só despertar minutos depois, quando sentiu a boca cheia.

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- Não bebi. Eu engoli. É diferente.

Resolveu contar a novidade à sua confidente justamente na hora da sobremesa. Sorvete.

- Ai, como você é nojenta!

A lembrança sempre lhe trazia suspiros.

- Ouvi dizer que faz bem pra pele também. Super nutritivo. Proteína pura. Ai ai...

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O namorado teve uma adolescência conturbada. Aos 15 anos os amigos já exibiam pelos nas axilas, ameaça de bigodes e passavam horas repetitivas falando sobre suas ejaculações e delícias que faziam quando estavam sozinhos em casa. E ele lá: pelado e relegado ao papel de ouvinte sonhador.

Dias depois do aniversário de 16 anos teve uma febre súbita. Deixou de ir à escola por uma semana.

Acamado e com aparência de quem está prestes a abrir mão da vida.

Em mais uma noite de tormentos e sonhos de febre, recebeu a visita de uma morena farta. Nua.
No sonho ela apenas bateu na porta do seu quarto e, já que ele não pôde responder, ela foi intrusa.
Um prazer repentino. Um frio desconcertante seguiu do pescoço ao umbigo umas dez vezes.

"Desculpe. Foi sem querer. Foi um acidente."

Polução noturna. Teve nove numa única noite.
Quando acordou era um homem. A cueca e os lençóis tiveram que ser jogados fora.

Masturbação: a recreação mais saudável da adolescência.

Em menos de seis meses se tornou animal.
Não era um homem. Era um macho.
Músculos divinos onde haveria de surgir. Pelos negros e brilhantes até onde a beleza permite.

As bocas da vizinhança se encheram de água.

E houve felicidade na vida de todos os que foram capazes de despertar nele o mínimo impulso erétil.

Era uma figura muito querida.

Solícito e consciente de seu talento.

Uma vizinha fogosa dos seus mais de trinta e cinco anos foi quem lhe ensinou muito do que ele exibia mundo afora. Num dia ele a enviou um bilhete de despedida e ao tentar ser carinhoso cometeu a imprudência de assinar: O esporrador.
A vizinha enfartou. Desolação e tesão.

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- Li na internet. Tá até no Papiro de Ebers.
- O que é isso?
- Tipo um tratado de medicina escrito no Egito faz teeeeempo. Dizem que tem uma parte que fala das maravilhas que o esperma pode fazer pela beleza da pele. Cléopatra parece que usava muito.
- Ai, como você é nojenta!
- Li também que uma colher de chá tem calorias equivalentes à de três pães.
- Noooooossa!!!! Que horrooooooor!


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O sexo entre eles era cada vez mais gostoso.
Nem sobras, nem vãos.

Descobriram juntos maravilhas perversas que fizeram, dia após dia, a vida valer a pena.

Ela havia adquirido o hábito de fazer confissões e perguntas constrangedoras após os orgasmos.
Lambeu a ponta da sua orelha e disse:

_ Você acha que eu engordei?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Rumba

Ela se foi.
Deixou como lembrança um galo bravo que passeia orgulhoso pelo quintal. Sozinho.

Também deixou uns discos.

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Eu resisti.
Muito.

Comentei com uma amiga:
- Ela é até bonita. Mas não posso levar a sério uma moça que dança rumba.
- Sei como é. Um dia terminei com um namoradinho quando soube que ele tocava cavaquinho.
- Não dá, né?
- É, não dá!

Ela me entendia.
Também estava perdida naquela erudição lamentável que muitas vezes nos impede de sorrir.

Quando fui conversar com minha mãe eu disse:

- Ela dança rumba.
- Sei.

Minha mãe também entendia.

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Até o dia em que a vi dançar, eu estava sempre meio sozinho e irritado. E franzia os olhos para quase tudo o que via.

Até o dia em que a vi dançar.

Mas não se tratava de um fascínio fácil. Não era uma admiração banal.

No início tudo nela me incomodava: As sandálias de salto muito alto, as panturrilhas bem marcadas, as pernas bronzeadas, a saia acima do joelho, o sorriso que se abria demais, o jeito que ela prendia o cabelo, a mania de ignorar o suor. Tudo me lembrava pobreza. E me incomodava.


Com o tempo eu passei a me deixar derreter e comecei a me explicar:


- Sim, ela dança rumba. Mas é uma rumba meio flamenca, sabe?

A lista de poréns foi ficando cada vez menor.

Passei dias avaliando as probabilidades e as impossibilidades.
Pensava nos seus talentos marginais, nas suas habilidades sem valor. No seu esforço inútil em ser reconhecida.

O que ela poderia me oferecer afinal?


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Sei que ela me olhava.
Me olhava e me via.

A surpreendia me encarando enquanto respirava afoita com as mãos apoiadas nos quadris ouvindo as instruções do coreógrafo. E eu sempre fingindo estar concentrado aguardando a minha hora de ensaiar.

Dividíamos, de certa forma, o mesmo palco. Ela passando as tardes enlouquedendo em rodopios que pareciam nunca ter rumo. Eu em meus religiosos compassos e razões acompanhado de um violino ciumento.

Pensei comigo:

"Eu acho que a gente não tem nada a ver. Melhor a gente parar com estes olhares. Esta história não tem futuro."

Ela nem sabia meu nome, garanto. E eu, mesmo apaixonado, me referi a ela com certo desprezo em todas as conversas em que sua figura esteve presente. Um desdém gratuito e covarde.

- Gostosa esta da saia branca. Cê não acha?
- Não acho não. Nada demais.

Houve um dia em que ela ficou na platéia. Coisa rara. Viu todo o ensaio do pessoal da orquestra.

Me atrapalhei todo. Engasguei com a própria saliva. Abandonei o ensaio e depois acabei até vomitando.

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Um dia tivemos uma tarde de folga. Vistoria dos bombeiros no teatro. Fomos todos, elenco e músicos, a uma exposição de filhotes perto dali. Ela fazia caretas lindas para todos os bichinhos.

Na saída podíamos escolher entre um peixinho e um pintinho para levar pra casa. Eu agradeci e disse que não tinha tempo pra cuidar de nenhum dos dois. Ela se encantou com um pintinho. Chegou a escolher entre muitos numa caixa. Desconheço o motivo. Eram todos amarelos.

Equilibrava-o na palma da mão e parecia que era dona do mundo.

- Não é uma gracinha?
- Sim, uma gracinha.

Não pude resistir.

Depois teve um cheese salada, um refrigerante, umas cervejas e minhas noites nunca mais foram as mesmas.

Ela acabou vindo morar comigo. Fomos bastante felizes. Eu, ela e o pintinho - que na breve adolescência, comum dos pintinhos, se tornou um bicho muito feio e desengonçado. Feiura ideal e necessária.

Um dia eu a percebi parada na porta com o olhar triste em direção ao quintal. O pintinho havia se transformado num galo de crista poderosa, peito estufado e cauda impressionante.

Ela estava emocionada. Me olhou meio chorosa e disse que ia dar uma volta.

Eu a segui até o portão e a vi desaparecer virando a esquina. Não olhou para trás.
Dias depois ligou dizendo que queria passar em casa pra pegar umas coisas.

Não ousei perguntar o que tinha acontecido.
Minha mãe disse que tinha previsto.

- Não se pode esperar lógica e consideração deste tipo de pessoa.

Levou quase tudo o que era dela. Deixou o galo e uma infinidade de discos de ritmos latinos.

O galo eu alimento e às vezes até conversamos nos fins de tarde em que estamos dispostos.

Os discos nunca me interessei em ouvir. Nunca gostei de rumba e desse tipo de coisas.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Breve

“... que sono...”

Os olhos pesavam. Impossível mantê-los abertos.

Ouviu vozes que pareciam trocar segredos:

- Vai ter que amputar, coitado. Vai ter que amputar!
- Se ele continuar a sangrar assim vai acabar morrendo. Aperta. Aperta.
- Meu Deus. Vai ter que amputar!

“...Moça! Cê sabe que horas são?...”

- Você não pode dormir, menino! Aguenta!

Sentiu um leve cutucão lá dentro da nuca. E como num sonho ouviu uma voz divina:

- Não pode mexer no pescoço.

“...Tenho que ligar pra minha mãe avisando que vou atrasar. Tá escurecendo. Nossa... o dia passou depressa...”

- Não dorme, querido. Não dorme não. Segura aqui na minha mão.

“Que moça bonita! Casaria com ela se a minha mãe deixasse.”

- Já chamaram o resgate? Alguém tem que avisar a mãe dele.
- Na mochila deve ter algum caderno, alguma agenda.

“...Tô ferrado. Elas também vão descobrir que eu não fiz a lição...”

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Somália - Esboço parte I

Se eu soubesse que um dia ia contar esta história teria guardado todos os diminutivos que usei até hoje na vida.

Preciosos diminutivos. Pingo um pouco, às vezes muito, pra falar do que é delicado, o que é simpático, meigo, pequeno... o que é pobre, ralo e mirrado.

Somália, a bichinha pretinha que morava na última rua antes do rio, trazia desde o ventre da mãe os olhos e a respiração que o faziam ser motivo para carregar todos os diminutivos. Difícil acreditar que todos eles coubessem dentro daquela pessoinha ressecada.

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Perambulava com sua inseparável sacolinha de plástico pra cima e pra baixo. Adorava sair de casa. Se numa manhã tinha que ir à padaria, açougue, farmácia, quitanda e mercadinho, fazia cada coisa de uma vez. Ou seja, ia e voltava pra casa diversas vezes. Gostava da sensação de ter muitas tarefas. Quando cruzava com uma vizinha qualquer durante sua empreitada fazia sempre aquela cara de “Ai, que vida corrida, não?!” ... as vizinhas, como as boas vizinhas devem ser, respondiam com a cara de “Ai, nem me fale!”.

Acordava todos os dias bem cedinho.
Era muito vaidoso, mas como muita coisa não tinha como melhorar, se arrumava bem depressa. Era só bater uma água do rosto. “No máximo um batonzinho de leve. Realça o meu sorriso. Mas não conta pra minha mãe!” Adorava roupas de tamanho menor que o adequado. Mas não adiantava, ficava tudo meio largo. Não havia lycra que fizesse uma peça de roupa colar no corpo.

Morava com a mãe.
Nair.
Diabética que há anos tinha uma ferida incurável no calcanhar e por isso não tinha muitas oportunidades de escapar do cheiro de cozinha que envolvia a casa pequena numa eterna atmosfera de fritura. Quando o sobrinho Luis cismava, passava por lá de carro e a levava à missa. Mas era raro.

O pai de Somália tinha falecido há alguns anos. Seu Jurandir era motorista de caminhão em uma empresa de mineração. Um dia se distraiu ao dar ré à beira do buraco da pedreira. O montinho de terra improvisado, que servia pra barrar as rodas traseiras dos caminhões, com o tempo se assentou. Naquele dia não pode fazer muito. E lá se foi Seu Jurandir pedreira abaixo.

Somália também se chamava Jurandir. Herdara do pai o nome e a simpatia da vizinhança. Os mais velhos ainda o chamavam de “Dirzinho”. “Somália” era coisa recente. Apelido presente dos mais jovens que cresceram com ele e o viram se enrolar numa sexualidade que insistiam em definir como “Meio lá, meio cá.”

Somália sabia que era “Bem pra lá.”

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Passava os dias como se a vida fosse provisória. A vida de verdade ainda não tinha começado.

Não menos que 15, não mais que 30. Quem olhasse não saberia como definir sua idade.

Embora tivesse todos os requisitos para ser roxo defunto. Somália era rosa bebê.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Anonimato

Preocupado com o alinhamento do uniforme.
Preocupado com o cabelo que a mãe penteou antes de saírem de casa. Sentia que no topo do cocuruto o grupo de fios rebeldes começavam eriçar.
Angustiado.
- O prefeito que não acaba logo o discurso!
Dividia ainda a atenção entre manter a bandeira levantada e controlar a vontade de coçar a canela, devia ser culpa das meias novas.
A mãe comprou o tecido, os aviamentos, as meias e o sapato na loja do seu Elias pra pagar no fim do mês, quando recebesse da Dona Marília.

O sol era escaldante. Quase meio dia.
Para a sorte dele, a bandeira fazia sombra.
De canto de olho viu o Josué, que fazia a estréia na banda da cidade, limpar o
suor da testa com a manga da camisa branquinha e ser repreendido com o olhar mortal do Seu Roberto, o maestro que também era o professor de matemática.

A mãe não tirava os olhos dele. E suspirava orgulhosa sempre que a Edi, vizinha serelepe, não estava a cutucando pra falar do fulano que diziam que tinha largado a sicrana, e da indignação com o comprimento da saia da beltrana.
- Onde já se viu?!

Até a Dona Marília tinha mandado parabéns através da mãe.
- Não é qualquer um que é escolhido pra segurar a bandeira.


Um ventinho delicioso bateu.
A bandeira balançou tapando a cara dele. Cheiro de mofo. A ponta com um pedaço de barra desfeita fez cócegas no nariz. Ele fez careta e depois sorriu olhando pra dentro de si. Silêncio.

Silêncio do vento. Silêncio no coreto. Silêncio da Edi.
Silêncio do prefeito. Silêncio do feriado. Silêncio do dia amarelo e quente.


Quarenta anos depois, ainda morando em Inocência, cidade do interior do Mato Grosso do Sul e após ter se casado com uma boliviana chamada Leonor, ele ainda mantinha numa moldura toda rococó a foto que o Ditinho fez e vendeu à mãe.
Mesmo sem os netos perguntarem ele sempre dizia:
- Tá vendo aquele ali na foto segurando a bandeira? Sou eu!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sabadão

O telefone toca.

- Alô!
- Oi!
- Oi! Pois não!
- Oi.. é que eu peguei seu telefone no disk paquera. Aí... tô ligando...
- Ah! Que legal... Legal.
- Eu acho que.. assim... pelo que eu ouvi tal, né, no... no seu perfil... Eu.. eu acho que a gente tem tudo a ver.
- Sério?
- É. Você gosta de lugares exóticos e tal... e é preto e branco, como eu.
- Puxa, até que enfim! Sabe que eu já tava quase desistindo?
- É. Mas um dia as coisas acontecem.
- Então. A gente poderia se encontrar, né? Beber alguma coisa, bater um papo. Assim, pra gente se conehcer então...
- Perfeito. O que cê vai fazer hoje à noite?
- Tô livre.
- A gente pode se encontrar no Bar do Lagarto lá pelas nove? Cê sabe onde fica o bar do lagarto?
- Sei sim. Pra mim tá ótimo!
- Ótimo então. Como você vai estar vestido?
- De smoking. E você?
- De pijama.
- Péra aí... é... você não é um pinguim?
- Não. Sou uma zebra.
- Ahn... é... então é melhor deixar pra lá.
- Ok... Ok então. Até mais.
- Tchau! Tudo de bom!
- Pra você também!

Uma noite. Uma vida inteira.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Betinha saiu à noite

Eu quero morrer amanhã."
Naquele dia tinha penteado o cabelo de um jeito diferente.
O garçom não entendeu mesmo quando ela repetiu.
Eu quero morrer amanhã.”
Já passava das sete e o bar estava se enchendo de gente.
Deseja mais alguma coisa, senhora?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Um bolo e uma festinha com música pra você!

Durante o almoço, conversava com uns amigos do trabalho.
Alguns eu conheço há quase um ano, alguns há poucos meses. Uns sabem mais sobre mim, outros menos.
Falávamos de sonhos.
Cada um contou uma loucura, um pesadelo, uma noite do tipo coito interrompido. Eu contei o desta noite:

“Sonhei que estava andando de mãos dadas com minha mãe pela rua, conversávamos, ríamos, nos olhávamos profundamente em silêncio por alguns segundos.
Entrei numa loja e ela ficou do lado de fora.
Eu me distraí. Fiquei lá por muito tempo.
Vieram me avisar que ela estava me esperando em casa.
Eu corri.
Quando cheguei, ela me esperava dormindo na calçada. Caía uma chuvinha fina. Olhei no seu rosto de sono pesado e a vi como há muito não via. Os traços, a boca que dizem ser igual à minha, o cabelo levemente despenteado. Mas era a minha mãe de muito tempo atrás.
Foi então que descobri que era sonho.
No mesmo momento pensei: vou acordar e ligar pra ela dizendo que tô com saudade. Me deu um alívio na hora, mas mesmo assim eu chorei até perder o fôlego.
Me esforcei e consegui acordar.”


_ E aí você ligou pra ela?
_ Não. Minha mãe faleceu há 17 anos. E hoje, 15 de outubro, seria o aniversário de 60 anos dela.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Pregos e Parafusos

Os dias dos pregos e parafusos são muito confusos.
Chacoalham nas caixas de ferramentas e às vezes se cruzam.
Martelos e chaves de fenda os amedrontam, fazem coisas horrendas.

O prego perdeu a cabeça.
Se apaixonou pelo parafuso cego.
Sortudos.
Foram deixados em paz a enferrujar suas vidas.

Os amores entre pregos e parafusos, são sempre profundos.
E vivem o tempo dos metais.
O tempo em que os amores duram mais.

sábado, 11 de julho de 2009

Betinha parte 1

Betinha. Betth. Elizabete.
Tinha 22 anos e já há um ano havia acabado a faculdade de letras.
Não tinha namorado e nem emprego. E isto não parecia afetá-la de modo algum.
Dormia bastante e os pais observavam que ela até então não tinha feito nada de especial na vida e não parecia ser capaz de grandes feitos.
Mas tudo estava bem. Raramente o assunto “Betinha que não serve pra nada” vinha à tona. E quando surgia, acabava se diluindo em outras balelas do dia-a-dia.

Um dia uma simpática vizinha sentada à mesa com Betinha e a mãe.
Eram 11 da manhã.
Filha tomava café e comia um pão. Tinha acabado de acordar. A Mãe escolhia feijão para o almoço.
Vizinha perguntou toda interessada:
Você fez faculade do que mesmo, Betinha?” - E a mãe se adiantou - “Letras” - “Ahn... E quem faz letras faz o que?” - continuou a vizinha. Betinha se ajeitou na cadeira e disse - “Ah, quem faz letras pode fazer um monte de coisa”- A mãe fez um biquinho e revirou os olhos pronta pra ironia - “Pode fazer um monte de coisa mas engraçado é que você mesmo não faz nada, né, Betinha?”

A vizinha fez cara de “Ih, toquei em assunto delicado” e Betinha respondeu com sua cara de “Nem esquenta. Tô acostumada. Ela não sabe o que diz”.
Pra você ter uma idéia, Luiza – Luiza era a vizinha – Nem namorado ela anda arrumando. Outro dia veio um rapaz super bonito, legal, gente boa, todo simpático aqui. Era amigo do irmão dela. O rapaz se derretendo pra ela e ela bocejando. Disse que tava com sono e pediu desculpas pro moço dizendo “Amanhã eu acordo cedo. Me desculpe, mas tenho que dormir”... “Mentira, essa aí acorda depois que todo mundo!”

As três riram bastante.

Este moço havia mesmo passado por ali e estava de olho na Betinha.
Quando ele tomou coragem e se aproximou um pouco mais, eles estavam sentadinhos no sofá vendo a novela, Betinha quase lhe enfiou um garfo goela abaixo “Quer mais bolo?” e depois encasquetou de bocejar sem parar pra ver se o moço ia logo embora. Ele foi e nunca mais voltou. O irmão tinha dito dias atrás que ele tava noivo de uma moça muito bonita lá da turma deles.

A Betinha perde cada oportunidade, Luiza!”

Betinha revirou os olhos, deu um pequena bufada e encerrou o assunto com um “Ô!” .

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Mundo da fofura

Eu nem pensava se era feliz ou não. Só ia vivendo.
Tinha doce às vezes, tinha brincadeira, tinha o Bozo na TV.
Aí o tempo passou e me ensinaram que a gente tinha alma.

E neste momento o mundo inteiro, que até então pertencia a mim, passou a ter que se espremer e ocupar o espaço do meu corpo, que era bem pequeno. Que chato.

Um tempo depois, mais um baque: cérebro.
Aquela história de alma era balela. A gente existe no cérebro.
Que aperto. Eu ia ter que caber dentro da minha cabeça.
Meu deus! Mal dá pra me mexer.

Ali eu tive que crescer, entender as coisas da vida. Aprendi que não se congela carne com batata e que não se toma seis yakults de uma vez.

Um dia, por um motivo ou outro, a gente acaba tomando um remedinho pra dormir melhor e viver melhor.
Maravilha!!!!

O nosso mundo é livre outra vez!!!!
Ele rompe a barreira do crânio, se espreguiça e sai pela vida. Dançando e rodando.
Que delícia!

Os olhos se fecham e logo surge a placa:

Seja bem vindo ao mundo da fofura!

Um mundo com cantos arredondados, onde tudo dá certo, onde a gente tem crises de riso e se debulha em caretinhas e poses para fotos abraçados com os amigos.
E tudo pode!

Pode voar?
Pode!

Pode correr até o vizinho tesudo e bulinar ele?
Pode!!

Pode ganhar na Mega Sena?
Pode siiiimmm!!!!

Dá a impressão de que pra ser feliz é só querer.
E a gente chega a acordar com o próprio suspiro.

domingo, 10 de maio de 2009

Perde e ganha. Tem dias com rima e dias sem rima. E nunca sabe como vai ser.

Paro pra pensar
Por que eu não posso mais te encontrar.
Tenho saudades do seu cafuné,
e de manhã,
do cheiro do café.
Choro ao lembrar
de quando você vinha me beijar,
do “Boa noite”, do “Durma com Deus!
Escove os dentes. Não esquece de rezar.”
Mãe,
hoje eu sei mais que você,
mas ainda não deu pra entender,
por que cê foi embora.
Eu
fiquei sozinho pra valer
E foi difícil pra crescer
Tão longe da senhora.

Fecho os olhos e
te vejo lá
assobiando no quintal
pendurando os problemas no varal
se preparando para o carnaval.
E lá vem você
toda cocota, tênis, mini-saia,
dizendo “Filho, nunca pare de dançar
e não desista, mesmo que o mundo caia.”
Mãe,
meu mundo caiu, quando você partiu
e demorou pra se levantar.
Queria
que você estivesse aqui
pra ver tudo que eu aprendi
e ver o que eu faço de melhor.
Acho que você ia gostar
de me ver sorrir, cozinhar e dormir.
De me ver cuidar dos meus irmãos maiores que eu,
de me ver me importar com os outros, me ocupar em ser bom.

Nos meus sonhos mais profundos
você tá sempre por aqui,
e se desculpa por ter deixado a gente.
E eu digo “Relaxa, mãe,
tem coisas que fogem ao nosso controle.”

Já houve dias
em que eu despertei assustado e
a primeira palavra do dia escapou de mim.
Eu chamei “Mãe!”
e no quarto só tinha eu.

Mas eu repito “Relaxa, mãe!”
E completo
“Eu não tô sozinho não.
Tô sozinho no quarto agora
porque o Rafa foi preparar o café
pra trazer na cama pra mim.”

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Cinderelas

E não há o que segure. Quem segure.

Quando criança a gente vive momentos em que tem vontade de chorar mas não pode. Às vezes porque é contrariado, outras porque a mãe nos repreende na frente de todo mundo e nos faz passar vexame, outras porque um amiguinho diz algo que nos magoa.

A gente tem vergonha, respira fundo, arregala os olhos e faz com que engulam as lágrimas de volta. Sopra pra cima, faz biquinho e tenta mirar o ventinho pra secar a gota que ameaça se formar. Não quer chorar de jeito nenhum. De jeito nenhum.

Esses momentos são muito raros depois que a gente cresce. Raros ao menos pra mim. Porque pouca gente tem o poder de me fazer chorar, e porque quando quero, choro mesmo, que se dane! Não seguro mais.

Sou um banana. Choro por tudo.
Sorte a minha. Sou intenso.
E com a mesma naturalidade eu rio de tudo.
Tenho até uma mania incontrolável de terminar frases com pontos de exclamação. Melhor pra mim.

Ai, ai, ai. Eu, eu, eu, eu... que ego!
Mas só posso falar de mim, já que não saio por aí fazendo pesquisas pra saber o que as pessoas sentem, o que pensam.

Curioso foi que nesta semana um querido amigo, que o destino não deixa sair da barra da minha saia e nem eu da dele, me mandou um e-mail com um link. A mensagem dizia: “Veja e chore!”.

Ele se senta ao meu lado no trabalho, mas me conhece muito bem e sabe dar às coisas o valor necessário para criar as expectativas que fazem toda a diferença quando queremos dividir algo com alguém.

Susan Boyle, uma senhora de 47 anos. Britain’s Got Talent, um tipo de American Idol inglês. Para não me estender na descrição de uma emoção que em parte eu prefiro reservar para a escuridão dos meus olhos fechados, eu sugiro que assistam ao vídeo antes de continuar a ler o texto clicando aqui.

Quando assisti ao vídeo voltei a viver um daqueles momentos de segurar o choro e descobri que ainda não sou adulto suficiente para chorar em qualquer lugar, a qualquer hora. Senti um delicioso prazer em reviver esta sensação. Uma nostalgia saudável.

Me sento numa mesa com mais 4 pessoas e em minha sala tem mais umas 8. Pensei que se eu chorasse ia ter que explicar, ia ter que dividir isto com pessoas que iam zombar, ficar ridicularizando o vídeo, e eu já me sentia dono dele e estava decidido a protegê-lo de todas as babaquices. E isto realmente aconteceu depois que o link se espalhou pela sala. O que para mim era uma cena tocante, para alguns era apenas mais uma chance de dizer idiotices. É por isto que eu ando evitando dividir as coisas de que gosto. Ando ficando cada vez mais egoísta. Assim como não tenho mais falado sobre cinema com quase ninguém. Me dou o direito de me poupar de aborrecimentos. Ando evitando pessoas e situações que me brocham.

Susan Boyle me fez muito bem. Por vários dias foi minha inspiração para tudo. Para seguir esses últimos dias que não tem sido fáceis. Para não desistir. Pra tentar outra vez e outra vez e outra vez... Para respirar fundo e escrever as próximas linhas.
Tenho prazer em escrever, mas não imaginei que trabalhar com isto fosse me trazer dias tão turbulentos que me tirariam o sono... Se este blog fosse meu trabalho seria muito mais fácil. (Mas por outro lado, não seria desafiador.) Escrevo aqui sem medo, e se eu escrever alguma bobagem ou ficar uns dias sem inspiração, ninguém vai perder dinheiro e nem eu o meu emprego. Rsss... (Olha o diário!!!)

Há momentos em que a gente não quer só derrubar uma lagrimazinha. A gente quer é soluçar, chorar e chorar e relaxar os ombros e pender a cabeça, ter a sensação de se derreter.

Acho que o choro é um dos índices de plenitude da minha vida. Chorei nos momentos mais felizes e nos mais tristes que vivi. O caixão da minha mãe passando na altura dos meus olhos, o primeiro orgasmo com o amor da minha vida, a execução da nona sinfonia de Beethoven de pertinho... chorei, e certamente fui pleno, fui verdadeiro, e há um alívio muito grande em ser verdadeiro. Algo como dever cumprido. Não deve ser à toa que o choro nos alivia.

Obrigado Susan Boyle. Você nem deve saber, mas deve ter feito muito bem a muita gente. Obrigado por ser minha Cinderela. Espero que o seu baile não acabe nunca.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Eu odeio telefone

Domésticas, o filme”, o primoroso longa de estréia de Fernando Meireles, contém diversas cenas que nunca vão sair da minha memória. Por que são muito boas e porque vi o filme umas 974 vezes.

Numa das minhas passagens preferidas Quitéria introduz: “Tem coisa que eu gosto, tem coisa que eu não gosto, depende da coisa.” E tem início então uma cena memorável que eu adoro reproduzir entre os amigos.

“Tem coisa que eu gosto, tem coisa que eu não gosto. Depende da coisa.”

Como é simples!!!
E a gente enrola tanto!!!

Desde os meus 8 anos eu estou, de uma forma ou de outra, envolvido com arte. E aos 14 eu comecei com as chatices de achar isso e aquilo desta ou daquela obra. Um malinha. Chatinho. Chatinho com potencial chatônico infinito.
E assim se passaram os anos, me envolvi mais a fundo com arte, com teatro, com cinema, com literatura, comecei e terminei a faculdade (imagine quanta chatice adquirida nesses anos todos... que medo!) Analisei as profundas linhas de tudo o que passou por mim, porque aprendi que analisar e pensar sobre a arte é algo inerente à condição de ser pensante - e é o que se espera de um estudante de arte e literatura. E foi tudo muito maravilhoso.

Porém, logo depois de abandonar o mundo acadêmico eu fui reler um livro que adoro. “Morte em Veneza” e nesta releitura surgiu um clic, um bip, um boom.

O trecho dizia algo mais ou menos assim: A gente fica sempre tentando justificar com referências, citações e embromações os nossos gostos quando, na verdade, o que nos atrai numa obra é a simpatia que temos por ela.
Gostamos, gostamos mais ou menos, não gostamos. É simples assim. O resto é balela justificativa.

Eu gosto do Titanic, eu gosto de Fala Mansa, eu gosto – muito – de desenhos animados.
Não gosto de “Cidadão Kane”, não gosto do Miró, não gosto de Stravinsky. Pronto. Falei!

(Nesta pequena lista estão apenas as arestas dos meus gostos. No mais eu sou relativamente previsível.)

Dias atrás ouvi do meu sobrinho: “Eu adoro prateleiras”.

Bom... cada um na sua, né?

Eu odeio tefefone. Já fiquei meses sem atender ao celular. Era uma delícia. Pra me achar só mandando scrap no orkut.
É algo muito forte isto. Ouço o triiimmmm e já imagino que é alguém pedindo um favor, me cobrando uma visita, querendo desabafar, só querendo dizer oi... ai, que saco!

“E aí, como cê tá? O que conta de novo?”
As minhas respostas eram mais ou menos assim:
- Nada. Nada de novo.
-A mesma bosta de sempre!
- Me deixa!!!!
- Uma merda... E tende a piorar... Sempre pode piorar. “Nada é tão ruim que não possa ser piorado”, já dizia Falcão.

E o amigo fica um tempo sem fazer contato.

Preciso me controlar... preciso me controlar...

Tenho um amigo que adora dizer “Gôndola”. Ele fecha os olhos e vive um deleite sem fim. Goooondola.

Tenho um prazer mórbido de dizer na fila da Mostra Internacional de Cinema que acho o Felini um chato. Que os filmes tem coisas lindas, mas que no todo são chatos, com exceção de "Satyricon" e “A estrada”. O povinho culturets acha que é heresia digna de fogueira.

Queria ver o Leon Cakoff dizer que é doido por “Parque dos Dinossauros”. (Será que ele é e nunca disse ou eu nunca ouvi?)

Deve ser uma delícia se sentar ao lado de um grande amigo e passar uma tarde esborrachado na guia, uma tarde de melancia que escorre caldinho pelo cotovelo, brincando de listar o que eu gosto o que ele gosta o que a gente não gosta.

E este é um dos meus grandes prazeres: assumir as minhas opiniões, revelar algo sobre mim que às vezes as pessoas não esperam.

É inegável que há prazer em ser algo... ser... em se ver e gostar do que é. Vejo nisto tudo uma graça deliciosa... e gosto de mim, na maior parte dos dias.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Retratação

A mocinha queria ser atriz. Foi fazer o teste para entrar em uma famosa escola de teatro.
Ela era talentosa. Mas não foi selecionada. Desistiu. Foi estudar psicologia.
O rapazinho queria ser pianista, ficou nervoso na hora do teste. Hoje é bancário.
Aconteceu o mesmo com as bailarinas telefonistas, os acrobatas balconistas, e tantos artistas que acabaram sendo outros “istas” que não estavam entre seus grandes desejos.

“Não. Você não pode ser o que quiser. Não há espaço para todo mundo.
Lamentemos.”

Por sorte a modernidade tomou rumos inesperados e acabou criando saídas para que pessoas que desejam se expressar possam fazê-lo sem que alguém lhes diga: “Sinto muito, mas você não serve para isto. Procure outra ocupação, outra paixão.”

Abençoada seja a Internet e seu infinito espaço para todas as abobrinhas do mundo!!!!

No meu texto anterior eu tentei tratar um pouco disso, mas acho que fiz de forma meio torta e fui muito mal interpretado. Parte da falha é minha, grande parte, mas parte é da falta de malícia e ironia dos meus queridos leitores.

Eu adoro brincar com os opostos. Quando me refiro à Adriana Lima eu brinco: “aquela moça feinha”. Aí está a graça pra mim. É como uma careta simpática. Mostrar a língua pra pessoas queridas.

Os blogs são uma bênção. Não uma praga.

Eles são uma fuga, um diário, um modo de se exibir, de se expressar, de divulgar o que se produz. Ele é tudo o que cada um quiser. Não há moderação, não há seleção, não á portaria, não pedem antecedentes criminais, não fazem consulta ao SPC. É o paraíso!!

Graças a este blog eu pude dar o meu passo inicial – não sei qual é o destino – e graças a ele eu recebi apoio, críticas, elogios e cheguei ao meu atual trabalho, que me dá tanto prazer.
Imagine se eu tivesse que esperar a aprovação, a permissão de um editor que me dissesse: “pare” ou “continue”. Quem sabe eu tivesse mais uma amargura pra incluir na minha coleção... oh, vida! Ai de mim! São tantas amarguras. Tantas mágoas. Tanta cara feia, tantos nãos.

Continuo achando muito chatos diversos blogs, muito mal escritos, nada pertinentes. Mas acho maravilhosa a possibilidade de todos poderem escrever e colocar à prova sua produção. E mesmo que não seja produção, mesmo que não estejam à prova, mesmo que estejam se lixando para o que pensam, mesmo que seja apenas desabafo, diariozinho.

Parabéns a todos nós que vencemos a preguiça e o medo e postamos aqui e acolá o que pensamos, as historinhas que imaginamos, as coisinhas que ouvimos. Parabéns por fazermos a alegria deste e daquela outra, e por botarmos lenha na fogueira, por darmos um tapinha no mundo para não deixar que ele se renda à senilidade. Porque o mundo é velho. Se a gente não agir ele se acomoda.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A praga da década

Pior que os de insetos que causam prejuízos imensos aos agricultores, pior que a peste bubônica que acabou com 1/3 da população européia, pior que a lepra, pior que a roubalheira do governo que tira a merenda de criancinhas carentes.

É ele, o Blog.

Sim, é irritante esta possibilidade que as pessoas têm de dizer ao mundo (ao mundo mesmo!!) o que pensam.
E ela se torna letal quando associada à inclusão digital e ganha características de pecado imperdoável quando leitores de horóscopos – ou mesmo uns livros (que em muito se parecem com horóscopos) – resolvem ser escritores.

Nenhum ser metido a blogueiro tem lá muita autocrítica para perceber quando escreve mal, tem um papo chato ou muito - mas muito - desinteressante. E há ainda aqueles que escrevem “seje”.
Tanto texto ruim, ruim, ruim... infinito de ruim. Textos que têm doenças sem cura.


Que dor no coração!


Quero deixar bem claro que me coloco à disposição do julgamento de outro chato como eu, que tem todo o direito de dizer que eu sou mais um mala.

Porque as coisas são assim: Se você quer ter o direito de dizer/escrever o que quer, tem que se preparar para ouvir/ler o que os outros acham do que você diz/escreve.

Vamos lá. Aponte sua zarabatana envenenada e atinja em cheio meu pescoço! Cometa esta maldade, me magoe, acabe com meus sonhos, impeça que eu me expresse.


Na faculdade, em mais uma das memoráveis aulas do meu querido professor Joaquim Alves Aguiar, entramos na questão “gostar de escrever”, e me recordo dele ter dito: “Trabalho com literatura há quase 40 anos. Nunca me meti a escrever nenhuma linha de ficção ou poesia. Sou péssimo. Uma bisca de péssimo!” Ele dizia que se arrepiava todo quando um conhecido se aproximava e dizia : “Você gosta de ler, né? Vou te dar uns poemas que escrevi, uns contos”. E lá vinha uma avalanche de abobrinha, e poemas que rimavam cabeça com cabeça, Marina com narina, e por aí vai.

A grande questão, eu acho, é compreender que o estado de poesia, o estado de inspiração, pouco tem a ver com o ato de escrever.
Escrever não tem a ver com desabafar!

Ah... bons tempos dos diários com cadeado.

Imagine quantas pessoas apaixonadas estão suspirando neste instante; e se todas elas fossem escrever um poema quantos seriam dignos? E “digno” é a palavra ideal para um caso como este.

E tem também os filósofos.
Dentre as diversas espécies, há o marxista de bar, o anarquista de praça, o hippie de butique, o vegetariano ingênuo, os esotéricos meigos, os paulocoelhanos, e uma das mais perigosas formas de vida que já habitaram a terra: os adolescentes “politizados”.
Vira e mexe cruzo com um texto desses por aí, cheio de “tipo, meu, sabe, nossa, cara, tipo, foda, entende? Isso dos caras tal e, tipo... sei lá, eu não vou me render a este sistema sujo e vazio.” E um monte de coisa sem pé nem cabeça.
Vale lembrar que a adolescência pode ir bem além dos 19 anos. Beeeem além.


Escrevam! Podem escrever. Mas guardem os arquivos em pastas escondidas nos seus micros, please!

O que pretendo com estes comentários maldosos e prepotentes?

Desabafar. Falar das coisas sem que ninguém tenha perguntado a minha opinião.

Ser blogueiro não é mais ou menos isso?

Cá estou eu, oras!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Rua Augusta

Ela era forte como pedra, mas como nada dura, nada dura.
Gritou bem alto "Eu sou a flor que só desabrocha na primavera desta cidade. De mais nenhuma outra!"

Começou a cantar e o vendedor de livrinhos de poesia parou pra anotar. O tiozinho da banca debruçou no balcão e abaixou a cabeça para ouvir com a nuca. A bichinha que passava também parou depressa, atenta, encostou no poste e ficou lá, com um risinho meigo apertado entre os ombros encolhidos.

"Eu
Sô loca do rímel
Eu choro e me borro
São lágrimas de amor
Negras
Tatuam meu rosto
Marcas do tempo
Da entrega sem pudor
Eu
Ando pela cidade
Esperança poste a poste
Me sento num bar
Solidão
Se senta comigo
Passamos a tarde
A rir e a relembrar
Solidão
Tão bem humorada
De tanto rir
Um dia me mata
Eu
Um dia cega
Me entrego a braços fortes
Por minutos de amor
O tempo passa
O amor se acaba
E ele me diz
"Sinto muito, baby!"
O que ele não sabe
É que eu prefiro
Uns minutos de suspiro
A uma vida blalalá
Retoco, retoco, retoco o rímel
E parto
Desvairada
Errando de novo, quebrando minha cara, fodendo minha vida
Pois acho que no fundo
O resultado
Da soma dos erros
Deve ser um acerto
E assim seguimos
Eu e os meus cílios enormes
Valsando na vida.
Um, dois, três.. um, dois, três
E damos uma voltinha"

Deu uma pausa. Respirou fundo. Silêncio.
Piscou, causou um vendaval e desapareceu.

O tio da banca roncava, o poetinha guardava a caneta no bolso e torcia o nariz, a bichinha aplaudia quase sem desgrudar as mãos.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Feliz, próspero e de anos novos.

Cheguei lá.
O dia 29 se tornou dia 30. Meu tempo de vida por aqui foi de 29 para 30 anos.
Haviam me prometido um eclipse. Mas acho que algo deu errado – não necessariamente errado.
Era pra ser uma loucura! ... 30 no dia 30. Uma vez na vida e nunca mais.
Mas foi um dia diferente. E não há lamento nisso, trata-se apenas de uma observação sobre o que acontece na vida.

Meu ano novo e aniversário sempre foram mais ou menos a mesma coisa, a mesma comemoração: como todo mundo sempre está desfrutando das férias, curtindo a ressaca do natal e se preparando para as cidras do ano novo, nunca houve muitos telefonemas, presentes e grandes festanças, mas eu sempre aproveitei e fiz do réveillon a minha festa. Daria até pra fingir que os fogos eram pra mim se eu fosse tão ambicioso. Rsss...

Neste ano foi tudo diferente.
Deve ser culpa do aquecimento global, que atordoa as estações, que muda o clima e acaba interferindo no tempo.
Meu ano começou antes. Lá pelo dia 15 vieram os fogos, as comemorações, as parabenizações, e o dia do meu aniversário acabou não tendo forças pra ter ar de feriado, ar de mundo em suspensão.
Nasci em Salto de Pirapora. E lá vivi uns... hum... 15 anos entre idas e vindas. E lá, no dia 30 de dezembro é feriado - emancipação, ou coisa assim. Nunca deu pra fugir muito deste ar ritualístico de passagem. A cidade parada, mundo parado esperando o ano que viria, minha idade mudando... expectativas, todo mundo em clima de festa, promessas, metas...
Desta vez foi realmente diferente.
Foi um grande dia diferente!

Passei o dia no clima da minha nova vida – que eu desejo que se estenda muito. De manhã houve um abraço e um beijo do meu pai, corpo a corpo - coisa que há muito não havia neste dia porque eu sempre estava longe, depois um dia de trabalho, e à noite uma surpresinha linda: o Rafa armou uma mesa com bolo, pãezinhos de cream chease que eu adoro, moranguinhos e pêssegos. Ele havia tirado os cabos dos morangos e os equilibrado cuidadosamente de bundinha pra cima pela mesa. Ao passo que íamos comendo os morangos, na toalha surgia uma machinha vermelha, como um beijinho. Beijinho de moranguinho. Parecia que a Xuxa tinha passado por aqui.
Totalmente sem querer... ele não armaria uma viadagem dessa e nem ia querer manchar a toalha. As surpresas são milagres. O inesperado é milagre.

Odeio dar ar de “lição aprendida/ lição ensinada” aos meus textos, mas tem dias que não dá pra fugir. Nem tudo se planeja. Nem tudo se pode controlar.
A questão é que muitas vezes eu espero as coisas erradas das coisas erradas. Dedico suspiros às bobagens erradas...
Para minha sorte as bobagens certas e saborosas sempre vêm e me fazem surpresas milagrosas...osas, osas osas.... e os adjetivos nunca acabam.

Dá até pra concluir que o eclipse dos 30 no dia 30 ocorreu. Um astro se pôs em frente a outro, escondeu um brilho comum e revelou um fenômeno incomum.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Flerte com a realidade

Era uma vez um menino.
Era pouco levado e meio contente.

Haveria na escola a comemoração do dia do índio. E a tia Damaris disse que “Quem quiser pode vir vestido de índio.”
Ele queria muito ir vestido de índio!

As coisas não eram fáceis naquela época e não havia quem cuidasse dele ou que se dispusesse a ajudá-lo com a roupinha de índio. Tinha seis anos, mas o tamanho dizia outra coisa. Miúdo com cílios gigantes. O cabelo ninguém se lembrava de levá-lo cortar. Um dia a Tia Damaris parou a aula, deixou as outras crianças copiando lição da lousa, sentou no fundo da sala e cortou seu cabelo que estava enorme. Ele lamentou muito perder de fazer uma lição tão gostosa. Era o dia de fazer “serra serra serrador, serra o papo do vovô” que sobe e bate na linha de cima e desce e bate na linha de baixo. Neste dia a tia lhe deu de presente, escondido dos outros é claro, um bombom. Ele escondeu na lancheirinha a pedido dela e seguiu a orientação de só comer em casa.
Tinha uma lancheirinha com desenho de uvas e morangos, na qual ele levava só meio pão todos os dias. Ele mesmo preparava e recheava com uma pelinha de margarina, que ele odiava.

O irmão mais velho, que tinha lá seus 14 anos - o único que ainda olhava pra ele - arrumou um tempo entre a escola e o trabalho e se dedicou a ajudar com a roupinha de índio.

Foram no terreno da frente catar folhas da ameixeira que estavam caídas no chão. “Pega só as que ainda estão verdes!”.
Pegou uma fita crepe, juntou as folhas e fez uma sainha de índio. As folhas batiam no joelho do menininho. Ele ficou tão contente! Tão contente! Não acreditava que ia mesmo de índio na escola!
O irmão também pintou o seu rosto com canetinha, fez um cocar com um pedaço de pano e grudou uma folha que apontava pro céu.
O menininho insistiu em ir descalço “A tia falou que índio não usa sapato!”. Mas o irmão explicou que ele tinha que ir de sapato e só tirar quando chegasse na escola... e não era pra esquecer de colocar na mala e trazer de volta.

Ele desceu a rua a caminho da escola pisando diferente... todos olhando pra ele e dizendo “Olha o indiozinho, que bonitinho!” E o orgulho o fazia abrir o sorriso e exibir os dentinhos podres.

Quando chegou na escola a tia Damaris deu um sorrisão e disse: “Mas falta um colar!” Puxa, o irmão se esqueceu de fazer um colar! E agora?

A tia tirou do seu pescoço um colar enorme feito de sementes, deu duas voltas e laçou a cabeça dele. “Ficou lindo! É o índio mais lindo que eu vi hoje!”

Havia muitos outros índios. Com cocares enormes de penas coloridas. E saias de estopa, muito bonitas, muito enfeitadas. Mas ele tinha tanta certeza de que era o mais bonito... não tinha como duvidar. A tia falou!!!


Naquele dia ele, que sempre era o segundo na formação da fila pra entrar na sala de aula, ficou na frente do Moacirzinho. “Hoje o Leandrinho vai ficar na frente da fila porque ele foi o único da classe que veio de índio, tá bom?!

domingo, 7 de dezembro de 2008

A festa nunca termina

Há mais ou menos 16 anos eu fui pela primeira vez na domingueira do Esporte Clube Salto de Pirapora. Das 20:30 às 00:00 h. Uma coisa de doido.
Como era bom!
Eu tinha lá meus 13 anos e a coisa mais gostosa da vida era esperar o domingo chegar. Passava na casa da Graziele e depois passávamos na Claudinha, às vezes na Elizandra, e íamos todos juntos. "Love for all seasons", "I Drove All Night", "Please Don't Go", "How do you do", "Love Is In The Air", "I want to break free", "Scatman's world", "Kiss Me" eram hits do período... qualquer um que ouvir uma dessas vai correr lá pra 1993.
O “clube”, como nós chamávamos, tinha regras que hoje me fazem rir muito. Pra se ter uma idéia, a pista era até dividida. Tinha cordão de isolamento invisível. Separava os descolados dos emergentes, e estes da “baianada”. Um fenômeno. Não havia intercâmbio. Não havia concessão.

(Outro fenômeno interessante que eu vou sugerir como tema para a National Geografic é que no carnaval de lá as pessoas rodavam na pista. Uma cosia doida. Como se fossem ponteiros de um relógio as pessoas rodavam abraçadas aos amigos... vá entender!)

Mas voltando à “baianada”... Adolescentes são maldosos, impiedosos. Tenho medo deles.A “baianada” dançava passinho, repetia a roupa dois domingos seguidos, era composta normalmente por pessoas mais pobres... e eles ficavam até meia noite. Nós, da turminha dos descolados - que tínhamos a carteira vazia também, mas fingíamos que não - íamos embora as 11:30. Era mais chique ir embora antes. Não ficávamos nem pra "sessão do bate-bate" - que era a hora em que tocava um rock mais pesado e as pessoas pulavam, se cabeceavam e se empurravam. “Que horror!!”.
Adorei esses anos, mas me envergonho das atitudes segregatórias e tolinhas.

Entao, há 16 anos eu comecei a sair pra dançar e ficar lá feito bobo.
Quer coisa mais boba do que ficar dançando só por dançar?

Que delícia! Com o tempo, passei a dançar e beber, e depois dançar, beber e beijar. E depois dançar e dançar e dançar e beber e beber e beber e beijar e beijar e beijar... rss... Como eu bebi! Como eu beijei!! Jisuis! Como eu dancei!

O horizonte foi se ampliando. Comecei a sair em Sampa, Campinas... Depois, trabalhando viajando por todo o Brasil, eu conheci todas as boates das capitais. Não fui ver as Cataratas do Iguaçu, mas fui na Taz.. rss.. E não conheci muitos pontos turísticos de diversas cidades porque nos domingos, meus dias de folga, eu estava de ressaca do sábado à noite.

Morando em Sampa por seis anos então... ah...eu me acabei! Quarta, quinta, sexta, sábado, domingo.

Em todas estas noites, no meio daquela fumaça, um desejo foi maior do que todos: eu imaginava meus amigos ali, meus sobrinhos, meu irmãos, meus amigos e amigas da adolescência. Eu os imaginava dizendo.. “Leandro, você tinha razão!! Aqui é bom demais! Que delícia!!” E nós fecharíamos os olhos e dançaríamos... O dia não acordaria e a festa não acabaria nunca.

Talvez eu possa oferecer mais às pessoas de quem gosto. Mas o que eu queria dar como presente para a vida delas é uma festa. Uma baladona. Não sei se seria o presente para a minha vida ou para a vida das pessoas. Isso se mistura bastante.

Ontem, depois de alguns meses metido a estudar muito e sem sair de casa, eu fiz uma baladinha. E lá no meio daquela gente destrambelhada e daquelas luzes que atordoam, eu cruzei com uma figura em quem eu tinha dado uns catas há onze anos... onze anos...

_ Caramba!!! Há quanto tempo!
_ Nossa!! Você se lembra de mim? Eu também me lembro de você!
_ Nossa... Muito tempo. Como é que a gente se lembra?
_ Somos marcantes! Rsss...
_ Estamos velhos..
_ Não somos velhos! Somos jovens há muito tempo!

Empunhei esta minha frase clichê que um dia ouvi do meu querido amigo Ivaldo de Carvalho. Devo tê-la ouvido lá pelos meus 15 anos. E a pratico. Pratico minha juventude há muito tempo, do meu jeito e pago lá meu preço por ela.

Hoje sinto um gostinho todo “tchan” ao dizer “há muito tempo”. No dia trinta de dezembro eu farei trinta anos. Faltam poucos dias.

Trinta no dia trinta.

Só acontece isso uma vez na vida. Parece que vai haver um eclipse, (mentira... rá rá rá...) houve quem disse que se abrirá um portal e que eu posso ter a chance de passar pro lado de lá. Uhu!!!

Trinta com corpinho de vinte, e carinha de vinte e três (Se achando) muita gelatina, uma linha de uns 657 cosméticos, academia, salada, pouco açúcar e nenhuma gordura. E uma baladinha mensal com direito a imersão em alcool.

Tudo isso pra tentar ser jovem por mais uns trinta pelo menos.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Let the seasons begin

Pois é... que coisa...
E cabia tudo num pequeno jardim. Tudo.
E as plantas ensinam o tempo das coisas.
A metáfora já gasta do “semear, regar e colher” ainda pode dar frutos... rsss...

Ontem vi “Muito além do jardim”. Um filme dos anos 70 que eu tinha o título na mente mas acho que misturava com outro que tinha jardim e achava que já havia visto.

Bom demais!

Na minha linha histórica do cinema há uma lacuna de décadas... 40, 50, 60, 70... Conheço bastante do que se produziu no início do século, e dos anos 80 pra cá. Acho que esta época esteve entupida de musicais e chatices que eu não gosto e por isso deixei de lado por puro preconceito.
De uns tempos pra cá tenho dado oportunidade a alguns títulos e tenho tido ótimas surpresas. "Chinatown", de Roman Polansky, é um filmão que não tem nada de supimpa no tema, mas que é uma coisa de doido de lindo e bem dirigido. E tem a atuação primorosa de Fay Danaway, uma das minhas atrizes preferidas.
E ontem, “Muito além do Jardim” me rendeu lágrimas, deleites e reflexões deliciosas.

Adoro quando as reflexões são fluentes. Não sei se dependem da obra ou da nossa predisposição. Recordo-me de um professor que tive na USP, o “Vilaça”. Logo no início do seu tempo de professor uma aluna toda espertinha perguntou a ele: “Professor, se a poesia é a excelência da linguagem, se é a melhor forma de dizer algo, porque é que nós aqui temos que ficar ainda discutindo e a analisando?”. Ele ficou sem resposta.
Uns anos depois, percebeu que a resposta era óbvia, e se odiou por não ter respondido naquela hora.
Pensar sobre o que se vê, se vivencia, é inerente à condição de ser racional... sensível aos estímulos do mundo.

Eu estendo este pensamento à idéia de que pensar sobre o que se vê pode não estar apenas relacionado ao exercício de racionalizar um momento, uma sensação. Acredito que ainda mais interessante seja a percepção do que se sente. A consciência da experiência.

Sempre digo que o que me chama demais a atenção na arte são as coisas que me deixam extasiado e que não são claras e óbvias de início. Adoro as loucuras do David Lynch, do Kieslovsky, do Greenaway. Estão além da arte representativa. Encenam muitas vezes sensações, sentimentos. Filmam o impalpável.

No filme de ontem eu logo nos primeiros minutos pensei: “hum... isto não é um filme. Isto é música.” E era mesmo! A maior parte do filme era música.
Música a gente deixa entrar, não pensa nas barbaridades, na interferência de um instrumento novo... e tudo caminha bem. E não é preciso entender, concordar, racionalizar.

Quase consigo envolver o filme numa esfera metafórica bem simples - clichê e simplista também -
Um jardim mesmo. Um jardim com música talvez.
Pode parecer conformista e pequeno. Mas talvez não haja melhor forma de fazer as coisas caminharem bem, caminharem tranquilamente, seguirem seu curso.

As estações vêm, a gente querendo ou não.

Não podemos controlar o mundo. Mas regar, adubar e podar nos períodos certos, sim. Ao menos o nosso mundo. O nosso dia.

Eu sei. Não somos plantas.
Mas... “Let the seasons Begin!”
Vou tentar ser mais jardim ouvindo a música que tem este verso num refrão. “Elephant Gun” do Beirut. Tô viciado!!

(O link !Elephant gun" leva ao clip no youtube. Mas ele não é bom acho que até atrapalha a música. Feche a janela e ouça só a música. Acredite em mim. Depois de ouvir a música ao menos uma vez eu deixo você ver o clip, ok? Rsss... Já o link da banda, "Beirut", leva a um vídeo e música maravilhosos. Confira!)

domingo, 30 de novembro de 2008

Macarronada Monumental

_ Alô!
_ Viu, queria te pedir uma coisa!
_ Diga!
_ Cê pode trazer um litro de leite quando vier? É pra fazer o molho branco.
_ Ok. Levo sim! Podexá!
_ Tá. Tchau!
_ Até!

Xi! Esqueci de perguntar se era desnatado ou integral!!

Ela tinha trazido da viagem à Europa um pacotinho de macarrão com formato de monumentos Italianos. Cada um de uma cor, vistosos - que pra mim tinham cara de doce de abóbora. Ah, tinham!

Pistache, castanhas, amendoim, vinho, cerveja, coca-cola... aguardando o macarrão e a salada. Até aí tudo bem convencional. Mas então eis que uma novidade brotou: chegou uma mocinha com um quibe vegetariano. Não, ela não disse que era vegetariano. Mas era sim. Eu sabia que era. Só podia ser.
Era uma mocinha com tudo longo. Um vestido longo, um cabelo muito longo e numa das orelhas um brinco de pena muito longa. Uma mocinha de uma beleza que só se pode ter até os 25 anos. Soube que tinha 27. Mas não importa. Só se pode ter esta beleza até os 25. Mas ela tinha 27!!!!! Não - im - porta! Há a idade do tempo, a idade do que se sabe e a idade da cara.
O rapaz que a acompanhava, simpático e agradável até não querer mais, trouxe um matinho que lembrava rúcula, mas que segundo ele mesmo, amortecia a língua. Ingrediente corriqueiro nos pratos do Amapá, sua terra.

Em seguida chegou o casal todo serelepe com a lichia.
Lichia? Sim lichia! Um sacão cheio!!
Nunca tinha comido lichia, e como tava demorando o tal macarrão resolvemos experimentar.
E um dá dica de que se tira a casca assim... outro diz que tem gosto que lembra isso e aquilo... E uma das convidadas preambulou..

_ Posso falar besteira?

Estes preâmbulos são sempre sinal de bomba, e há na história raríssimos registros de que receberam um não como resposta.

_ Pode!
_ Pode, claro!

Um bando de gente pervertida e curiosa! Claro que queriam ouvir! Ahahaha...

_ Dizem que tem gosto de (piiiiiiiiiii...)

Fez-se silêncio.
Um corou aqui, outro ali. Outro fez cara de nojo, outro levantou assustado a sobrancelha. Da boca de alguém deve ter minado água.
Até eu que sou meio boca-suja arregalei de levinho os olhos.

Teve gente que desistiu ali. Trauma forever de lichia.
Ela ficou toda culpada. Arrependida.

_ Que nada! Relaxa!

E veio a anfitriã..

_ Gente, antes de colocar o macarrão na água fervendo eu queria dar pra cada um de vocês um macarrãozinho de lembrança!
_ Eba!!
_ Eu quero o Coliseu! O Coliseu é meu!
_ Eu quero a Torre de Pisa!
_ Eu quero a Torre Eiffel!
_ São só monumentos italianos!!!!!
_ Ahn! Hum... então quero... quero... ( xi, ele não lembrou de mais nenhum!)
_ Ai, brigada!!! Eu vou guardar com carinho até juntar caruncho!
_ Vou ser bem honesto: tem legenda no pacotinho dizendo o que é o que? Isto aqui não se parece com nada!
_ Deve ser o mapa da Itália!

Falamos sobre a Itália, sobre viagens e é claro que a história da moça no banheiro do metrô veio fazer uma visita looonga ... rsss...
A vítima e a testemunha estavam presentes e queriam dar a sua visão do acontecido.
A vítima, já meio empolgada pelo vinho, começou a encenar o ocorrido. E por algum motivo tinha na mão um pedacinho de bambu... - detalhe pra deixar a cena mais non-sense. Para alegria deste que aqui escreve - e gesticulava pra cá e pra lá e gritava e esquecia que já passavam das 10 h. E corria pela sala e parecia uma baliza em frente à bandinha. Sem largar o bambu. E às vezes o girando nos dedos.

_ Xiu, gente! Daqui a pouco o porteiro interfona pedindo pra não fazermos tanto barulho!

_ Olha só que guloso!! Que pratão colorido! Vermelho, branco, verde, quibe!
_Quibe não é cor!
_ Olha só! Tá dizendo que seu quibe não tem cor definida!

Devia ser por conta da grande variedade do tempero.

Na festinha as pessoas faziam sua parte na mistura da noite. Um era uma fruta, outro uma massa, outro um tempero exótico, uma salada que dá barato, e o álcool dava a liga. Na medida certa. Todo mundo, é claro, querendo ser a folhinha que dá barato.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Se rebolar é viver eu vivo porque rebolo você.

Aquele solzão torrando meus ombros, o copo suado da cerveja pingando na minha barriga uma gotinha gelaaaaada... meu umbigo inundado...
Onda vai, onda vem.
Passaram por mim “Hermes de Biquíni”, passaram “As quatro bichas fantásticas”, “O senhor com o refletor”, “A pequena menina de 1,80 m”, “O feio que só tinha amigos bonitos”, “O Homem chorão”... Passou o mundo por lá naquele dia.
No cantinho havia “O tambor do ombrinho e do biquinho”.
Passou por lá o vendedor de bugiganga e eu comprei uma pulseirinha. Pedi para que o rapaz a amarrasse no meu braço direito, fiquei assistindo e sorrindo. Ele me perguntou:

_ Tá feliz, é?
_ É... Tô... E tenho certeza de que tem gente me esperando voltar pra casa com uma pulseirinha nova no pulso.

O Rafa não é lá muito de prestar atenção em detalhes. Mas acabou notando e dizendo num misto de elogio e deboche:

_ Hummm...Outra pulseirinha!!

Acho que no fundo voltei de Salvador meio árvore de natal, coberto por pulseiras e braceletes, anéis de mil brilhos, tornozeleiras, colares, tatuagens por todo o corpo e até tererê e rastafari nos cabelos que não são lá muitos.

Sempre que viajo à praia eu entro num clima caiçara. Acho um charme voltar pras terras de cá com um ar praiano, colarzinho, bronzeadinho, pulseirinha, tatuagem.
Semanas depois eu enjôo do colar, as pulseiras ficam fedidas, a tatuagem desaparece, o bronzeado some e eu volto a ser como antes.

Voltei com apenas uma pulseirinha de pano, mas a memória veio cheia de jóias.
A memória dos metais dura mais.

Estava lá sozinho, sem conversar, com tempo para observar.
E fiquei a observar, observar, observar... e a sorrir para as coisas e para as pessoas... das coisas e das pessoas... e a me emocionar com elas.

Sou um ateu de araque. E por isso vejo Deus em várias situações, em vários momentos.

Deus tava por lá. O vi de relance várias vezes se esgueirando pelos coqueiros, pelos pilares dos quiosques, servindo cerveja para algumas mesas. Caso ele exista mesmo, deve estar em lugares como este, e não nos mosteiros sombrios e escuros, castigando e punindo as pessoas. Acho mais provável que esteja ao lado dos felizes reboladiços e não ao lado das carolas preconceituosas e de coração peludo que são incapazes de um gesto de amor ao próximo.

Pelo que tenho ouvido das pessoas com quem falo pelo meu encanto com Salvador, todo mundo volta de lá “meio assim”... Eu acho que voltei “três quartos assim”... no mínimo.
Parece que lá houve um encaixe, parece que os meus botões se fecharam mais facilmente, escorregaram casa adentro, e eu fiquei alinhado, ereto.

Estou com a impressão de que Salvador é salvador mesmo. E eu que nem achei que estivesse precisando ser salvo nestes tempos.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Flerte com a ficção

Um vulto se aproxima e quase molha minha orelha:

_ Você é muito bonito, sabia?
_ Obrigado! - No susto, sempre rola uma simpatia espontânea.
_ Muito gatinho mesmo.
_ Obrigado! – Como quem diz “tá bom... já falou!”
_ Você tem um sorriso lindo! Um sorriso maroto... E essa barbinha então... Hummm...
_ Hãn! – Som de quem não quer conversa.
_ Faz tempo que eu to de olho em você.

Eu só sorri sem desgrudar os lábios e levantei as sobrancelhas como quem diz... “que coisa, não?!”. E ele continuou...

_ Você é de onde?
_ Sou daqui.
_ Daqui onde?
_ Daqui. Daqui. – Apontei para o chão. A impaciência estava escapando.

_ Você tem olhos lindos. Amendoados. Profundos. Ascendência oriental?
_ Não.

Eu com olhar dizia “Olha, sua abordagem é péssima e eu não estou a fim de papo.”

_ Eu acho que o olhar diz tantas coisas. Ainda mais olhos como os seus.

Pelo visto meu olhar dizia coisas que os olhos dele não ouviam. Sinestesia de araque!

_ Difícil conhecer carinhas assim, como você... simpáticos, agradáveis.

Meu Deus, mas eu não havia dito nada até então!!!! É o cúmulo da simpatia fazer cara feia, ficar em silêncio e ainda passar por simpático.

_ Coisa doida, né?
_ É. – A que ele se referia???
_ A gente se cruzar aqui, assim... Quem diria?

Eu e meu olhar incrédulo.

_ E eu que dava minha noite por perdida.

O cara viaaaaaja!

Uma das portas se abriu e chegou a minha vez de ir ao banheiro. Acenei com um gesto indefinido e parti.
Ao longo da noite nos cruzamos mais umas duas ou três vezes. Sempre via aquela cara “Olha eu aqui outra vez!”, “Mundo pequeno, hein?!”, “Pelo jeito o destino quer mesmo que a gente se cruze!”.

Os minutos correram. A noite e o álcool levantam todos ao mesmo nível.

Houve um momento em que por segundos nos olhamos mais demoradamente. Não sei o que me deu.
Sorriu pra mim. Um sorriso matinal na minha madrugada barulhenta. Um sorriso de cumplicidade que talvez tentasse dizer “Que loucura a nossa... aquele romance na fila do banheiro. A gente é doido, né? Noite doida!”

Romance? Mas ele estava praticamente falando sozinho.

E eu mal pensei e já amassei e joguei fora, testemunhando a luta do sensível contra o insensível... “Sim, noite doida!”.

domingo, 16 de novembro de 2008

Come back "Rossé"!

Na noite de ontem, véspera de uma prova terrível que teria hoje, eu, mais uma vez, dormi de janela aberta.
Tenho quase oito graus de miopia, tiro as lentes de contato pra dormir e dependo dos óculos pra saber que o mundo existe.
Deitado na cama ansioso e quase triste eu olhei pro céu e decidi fazer um pedido a uma estrelinha. Sou muito cético, mas tenho grande apreço pela beleza da poesia das superstições.
Sem os óculos não conseguia ver nenhuma estrela no céu. O sono estava chegando e eu morrendo de preguiça de esticar o braço e apanhar os óculos no criado ao lado da cama. Cheguei a cochilar. Acordei com o sustinho da vigília, decidi vencer a preguiça, pegar os óculos e fazer o tal pedido à estrelinha. Não consegui ver nenhuma. Mas fiz o pedido assim mesmo. Ao céu... ao léu.

Fiz o que pude na prova. Tinha muita coisa que eu sabia, que gostoso! Estudar dá nisso!! Rsss... Mas o pedido que fiz à estrelinha escondida veio a se realizar de uma forma inusitada no fim da tarde.
Demos um tiro no escuro e decidimos ver “Um dia sem mexicanos”. Tento ler sobre o que rola no cinema e tal, mas não me recordo de ter ouvido falar deste título.
O mais gostoso da festa, mais até do que esperar por ela, é não esperar nada e ter a grata surpresa de muita diversão.

Há alguns filmes que eu vejo, me debulho em lágrimas e fico em estado de catarse por algumas horas, às vezes por uns dias. Eu choro por mais de um motivo: choro porque me comovo mesmo com a história de vida dos outros, mas talvez haja um motivo mais forte... comovo-me porque sei que a obra de arte é o resultado do esforço de um ser humano. Não se trata de mágica. Não se trata de acaso. Um compositor se debruça nos seus pentagramas e cria uma música, depois mais de cem pessoas se juntam e, sob a batuta de um maestro, executam uma "nona sinfonia".
No cinema não é diferente. Centenas de pessoas se juntam e nos iludem direitinho nos fazendo crer que aquilo é verdade. Que coisa...

“Um dia sem mexicanos” é um filme divertidíssimo, surreal. Uma caricatura delicada e sensível da questão da imigração latino-americana nos Estados Unidos. A abordagem aparentemente despretensiosa da narrativa contribui muito para que a reflexão sobre a questão seja tão espontânea: de um dia para outro todos os latino-americanos, no filme chamados todos de mexicanos, desaparecem misteriosamente do estado da Califórnia. “Tragam meu chiuaua de volta!!” rá rá rá...
Tal acontecimento toma forma de tragédia e trás consigo toda a sequência de fatos que a acompanham, como a mobilização da população e exploração inescrupulosa da mídia. Ri muito. ( O gosto pelo espetáculo da desgraça alheia parece ser compartilhado mundo afora. Izabela que caiu da janela e Eloá que já não está mais por cá não me deixam mentir.)
Fez-me lembrar muito “O anjo exterminador” de Buñuel, em que ricaços se refugiam num cômodo de uma mansão acuados por “nada e por ninguém”, quem sabe flagelados da tragédia que eram suas vidas.
Talvez muitos de nós precisemos mesmo ver o fim das coisas pra então pensarmos sobre elas. Exemplos extremos costumam ilustrar com eficiência o nosso caricato modo de viver.

“Um dia sem mexicanos” tem um elenco desconhecido e um dos melhores que já vi na vida. Por que somos obrigados a ver sempre as mesmas caras? Que saco!!! Tanta vida, tanto frescor, tanta verdade... e o cinemão nos empurra goela abaixo o Tom Cruise outra vez, e a Angelina Jolie outra vez... e toda esta corja que deveria nos deixar descansar um pouco.

Pedi à estrelinha para que meu domingo fosse de sucesso. E foi. Compartilho da autoria das obras que admiro. São minhas e de mim ninguém tira! Viva eu! Parabéns pra mim!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Freud à tirolesa

As pessoas em geral são esquisitas. Umas menos, outras mais, e outras muito mais!!! Muuito mais!
O normal então é ser esquisito. Os que não têm esquisitices é que são estranhos. Coitados.

Adoro observar as esquisitices das pessoas. (E as minhas devem ser observadas. Com certeza.) Vou começar a andar com um caderninho. É lamentável que as impressões que tenho da gentarada que cruza meu caminho se percam no meio das lindas tralhas da memória. Um dia ainda escrevo a minha “Comédia humana”.

Há alguns anos, logo que tinha mudado de aparamento, uma senhora rabugenta foi bater à minha porta. Dividiríamos a garagem e ela “queria porque queria” que o seu carro ficasse sempre na frente do nosso, porque ela não ia dirigir carro dos outros e não sei mais lá o que de palavrinhas espinhudas e um hálito de café e cigarro junto com cheiro de roupa velha. Muito esquisita, um cabelo preto preto preto escorrido, uns óculos gigaaantes, uns braços muito peludos que acabavam em mãos escondidas por anéis foscos e pulseiras coloridas.

E eu respirei fundo e disse: “Qual o nome da senhora?”. E ela respondeu: “Aracnéia, e o seu?!”...............................
Olhei pra um lado, pra outro, para trás... provavelmente fosse acontecer uma coisa muito esquisita que revelaria que aquela cena não passava de um sonho. A pausa deve ter sido longa. Neste intervalo ela ajeitou os óculos com uma mão e com a outra levou o toco de cigarro à boca para uma tragada inquisidora. Esperava de mim uma resposta.

_ Basta deixar a chave do seu carro conosco, Senhora

Não ousei repetir seu nome. Será que eu tinha entendido certo???? A senhora do fusca azul se chamava Aracnéia????
Não ia cometer a indelicadeza de arregalar os olhos e dizer indignado... “O que??!!!”.
Fui polido. Mas quem me conhece sabe que diante de situações delicadas eu fico mais gago que o normal. E o “Basta deixar a chave” não deve ter sido tão fluente. Deve ter sido algo como “a... se se ssssnhora p ... p... pode de.. de.. deixar... a chave!”.

Nem o Google sabe algo sobre esta mulher. Ou sobre este nome. Nem o Google. Nem...o...Google.

Dias após eu indaguei à vizinhança e sim, era mesmo o nome dela. E todos achavam que ela tinha o nome da cara e a cara do nome. Que coisa... (quando eu digo “que coisa” é porque estou com vontade de colocar a mão no queixo, perder o olhar e me aprofundar no assunto, mas não me alongo para que o texto não fique maçante.)

Tinha um cachorrinho preto, velho, barrigudo, feio, feio... feio de doer! Tinha um tipo de sarna que parecia não ter cura e andava sempre com aquele negócio de abajur na cabeça pra não ficar se coçando.
Ele parava na calçada, ela andava uns cinco metros e quando sentia sua falta, virava pra trás, sorria e o chamava.
Ele ia, passo, passo, passo, passo. Quatro patas, quatro passos. Um de cada vez. E o quarteirão durava uma manhã.

Ninguém está livre dos olhos alheios e dos julgamentos mesmo que bem humorados e inocentes. “Freud gostava de se vestir à tirolesa”. Quando li esta legenda numa foto de um livro sobre ele, eu ri muito! Que esquisito!! Ahaahh...
À tirolesa!! Ahahaha...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A Palmeira contra o banquinho

Que coisa esta vida...
Ouvimos o dia todo, todos os dias, que as coisas andam mal, que tá tudo muito difícil e que antigamente é que as coisas eram boas, que a humanidade se aproxima do fim e que não há mais solução.

E mesmo diante de tal panorama, plagiando nosso barrigudinho barbudinho, “nunca na história deste país”... se riu tanto. ( Será que isso também é obra do governo do PT? )

Não tenho estatísticas em mãos e esta impressão é baseada nos meus achismos... mas não devo estar errado.

A cada dia mais pessoas têm acesso à informática e à internet.
A palavra mais procurada no Google é “sexo”.
As pessoas costumam apreciar conteúdo erótico no computador quando estão sozinhas. As pessoas vivem cercadas de outras pessoas e vivem no computador. Não estão, portanto, vendo pornografias e afins o tempo todo. ( Vale lembrar que algumas até trabalham! )
O que estão fazendo então?

Estão rindo da Maísa no youtube !!!!!!!!!!!!
É claro!
“Maísa” deve ser a segunda coisa mais procurada no Google.

De qualquer forma, as pessoas talvez estejam sendo mais felizes. Minutos de felicidade, seja com prazeres sexuais - mesmo que solitários - ou rindo de bobagens, se somados, acabam dando muita felicidade.
Os chatos de plantão podem dizer: “Esta busca frenética e descontrolada pela diversão e pelo prazer efêmero revelam a verdadeira insatisfação do homem com a sua vida.”
E eu vou dizer: “Avôa jacu! Tô nem aí procê!”, como diriam Las Bibas from Vizcaya.

Isso de viver pra procurar a felicidade plena, serena, eterna e etérea pode ser uma roubada. Vai que a gente não encontra! Vai que é invenção! Vai que só funciona para alguns!

Tenho um amigo tão tonto que eu amo!!! Ele vive me manando diariamente links interessantes, e 90 % deles são de abobrinhas deliciosas. Não é, Tiago?!

Dias atrás teve a festa (imaginária?) do filho da Marisa Monte, a Maísa dizendo “Vaca é sua mãe!” pro Silvio Santos, e uma surreal cena de assalto em que um rapaz invade uma loja e ameaça o proprietário com uma enorme folha de palmeira... e este, acuado em frente à caixa registradora se defende com o banquinho em que estava sentado e consegue expulsar o safado. Se fosse num filme ninguém iria acreditar. É pra rir muito!
Sem falar das dezenas de gafes e tombos dos famosos e anônimos.
Eu confesso uma certa queda por cenas de pessoas caindo.

A internet tem mais coisas maravilhosas além do poder de fazer rir. Sim, tem! O mundo tá lá ( aqui ). Tenho até medo.
Mas não quero entrar no mérito da questão agora, consciência!
Me deixa só rir por hoje, vá!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Com a macaca!

“Um fazendeiro cria galinhas e porcos. Num dado momento, esses animais somam um total de 50 cabeças e 140 pés. Pode-se concluir que a razão entre o número de coelhos e o número de galinhas é:”

E eu sei lá??!!
Deusolivreguarde!!! Eu passei uns três anos no cursinho pra entrar na faculdade. Aprendi bastante coisa... mas foi um saco! E achei que nunca mais fosse ter que estudar coisas chatinhas e difíceis outra vez!
E agora que me meti na história de prestar concurso tenho me deparado novamente com os numerozinhos que tanto me amedrontavam.

A razão entre o número de coelhos e galinhas é um banquete delicioso, oras!!!
Assados, fritos, cozidos... humm... Acho que só comi coelho uma vez na vida parece que era gostoso. Dizem que quanto mais meigo o bichinho mais saborosa a sua carne.
Mentira! Inventei isso agora! Rá rá rá... Imagina carne de golfinho, ou de coala?

Que meus amigos vegetas que não me ouçam ( me leiam )nem brincar com isso.

Prefiro mesmo fazer uma orgia gastronômica a ter que solucionar a questão de quantos pés vão pra cada bicho e a razão não sei das quantas!
Razão.
Que mania as pessoas têm de usar os mesmos conceitos para diversos campos!
Razão!
Daria pra pedir ajuda aos filosofets... Eles adoram falar das diversas acepções desta palavra. Alguns deles opõem a razão à imaginação. E eu aqui, na minha filosofia de brincadeira, fico retorcendo meus neurônios imaginando porque a matemática usa a “razão” sendo que ela é tão abstrata e ao mesmo tempo é lógica e real, e prática e conta com nossa capacidade de imaginar e... ai, ai, ai...

Lembro-me que no cursinho pré-vestibular tinha lá umas várias matemáticas e eu delirava... O professor pegava impulso e ia ladeira abaixo... passa pra cá, e este pra lá com sinal invertido e multiplica em “xis”, e simplifica e corta este com aquele e sem esquecer de resolver primeiro as potências... e tererê e burucutu e caixa de fósforo... e tcharam!! Pronto!

Pra mim nunca foi matemática. Era matemágica!

Ontem meu professor falando de torneiras e tanques e vazão não sei das quantas e no fim ele disse: “Pra facilitar você pode simplesmente fazer o seguinte: inverte, inverte, inverte, soma, e inverte o resultado!”... rá rá rá. Juro!!! Disse exatamente isso. E a classe riu!!! RSS.
Que bom, não estou sozinho nesta! Aleluia nóis tudo!

Quando me perguntam se eu gosto de matemática eu digo: “Olha eu gosto dela, mas eu acho que é ela quem não gosta de mim!”.

Acho a matemática linda. E acho que tem um ponto em que se aproxima demais da poesia, da arte, do que é divino no mundo. E isto de ser tão abstrata e tão concreta e real é o que mais me fascina. Pode ser que eu entenda tudo errado. Que não seja nada disso. Mas não importa. As coisas são o que vemos nelas e pronto! Me deixa!!!

Que saco!!! Ihhh.... (grunhidos!)
Tenho prova domingo e até lá vou serrar os dentes e grunhir muito!!!
Me deixa!

domingo, 9 de novembro de 2008

Ao ringue! E avante!

Mais uma vez o dia foi salvo pelo cinema.
Gosto da vida. Mas às vezes tenho a impressão de que gosto mais do cinema. Rsss... Ou talvez goste da vida porque lembre o cinema ou do cinema porque lembre a vida. Uma dialética deliciosa.

Com a maravilha dos infinitos canais de filmes da TV a cabo, acabo tendo contato com títulos que não passam por aqui. Com exceção talvez dos que pipocam na Mostra internacional de cinema de São Paulo. Mas muitos deles não entram em cartaz nem mesmo no circuito culturets de Sampa.

Como vejo uns três ou quatro filmes na semana fica difícil escrever uma quase resenha sobre todos eles dizendo o quanto me acrescentam e complementam o que o pão e água não dão aos meus dias. Mas vale a pena me esforçar e tentar.

Beautiful Boxer”, me deu bons momentos de felicidade. Mais um título que eu vou incluir na lista dos filmes para indicar aos que têm problemas com a própria sexualidade, ou com a sexualidade das outras pessoas. São filmes que todos deveriam ver... Os pais, os filhos, os que um dia terão filhos, os irmãos...
Devo tocar no assunto outras vezes e indicar mais títulos.

O que este filme tem de mais interessante e que o diferencia dos demais é que ele une universos antagônicos de uma forma deliciosa, delicada e com pompa na medida certa.

O que dizer de um adolescente em Bangkok que se percebe homossexual, que tem vontade de se transformar em mulher e que acaba por se tornar um lutador de boxe tailandês, sem, contudo, deixar as questões de sua sexualidade de lado?
Coisa absurda! De onde este roteirista tirou tal asneira? Quem poderia levar a sério este disparate de filme?!
Eu levei. E me deliciei. O filme é divertido e leve sem deixar de tratar com seriedade os sentimentos das pessoas e os seus conflitos. Surpreendente. De cara resisti, mas dois minutos depois relaxei e fui expectador: a minha função predileta em frente à tela do cinema. (no caso, da TV).

O curioso foi que hoje, domingo, 09/11, no intervalo dos meus estudos (sim, estou estudando até aos domingos!!) , eu comecei a ver um programa que adoro.. TABU. Que fala de... tabus, oras... Rsss... das diferenças entre culturas, ente pessoas que estão lá e cá dos meridianos, e às vezes sobre as diferenças entre quem está do lado de lá ou de cá da rua.
O tema deste dia era “Mudança de Sexo”. E blá blá blás super interessantes e tal. E chegam à Tailândia, Bangkok, e vão tratar do caso de um transexual que conseguiu o respeito das pessoas de uma forma diferente. Como fez isso? Percebendo seu talento para as artes marciais e se tornando lutador de Muay – thai. (Boxe - tailandês).

É mole?
Estavam falando do próprio rapaz do filme!
As cenas das lutas que eu tinha visto e que pareciam tão surreais eu agora estava vendo num documentário. Imagens gravadas há anos. O rapaz maquiado e acabando com seus adversários. Dezoito nocautes impiedosos.
Quando entravam no ringue, os adversários tentavam ridicularizar o rapaz todo delicado tentando beijá-lo no rosto. Ao final da luta ele, bem humorado e rindo à platéia extasiada, ia até o adversário e lhe dava uma bitoca.

Me fez pensar, mais uma vez, no mundo em que vivo. Um mundo em que as pessoas se importam com o meio ambiente, com a qualidade do ar, com o desenvolvimento sustentável, com o futuro das crianças, com as crises econômicas, com a violência... e ainda têm tempo de se dedicar a interferir na vida das outras pessoas. Têm tempo de se dedicar a atrapalhar a felicidade alheia. Saem de suas casas para votar contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia, fazem excursões a Brasília para fazer protesto contra a união civil de pessoas do mesmo sexo, enfim, dedicam seu tempo a aporrinhar a vida alheia. O que faz com que tantas pessoas tenham que entrar no ringue e apanhar e apanhar e lutar... e lutar. Um esforço gigante pelo direito de serem elas próprias.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Dois Bigo

Passei o fim de semana no interior matando a saudade da família. Fazia uns três meses que não os via. Teve formatura do meu sobrinho mais velho, teve escultura de papel maché, teve pizza, War, lavagem do carro com mangueira e direito e guerrinha de água - coisa impossível pra quem mora em apartamento. Teve passeio na feira, encontro com velhos conhecidos, sorvete que deixa a língua azul na pracinha e, por fim, a oportunidade de encher o pé de barro. Não poderia voltar pra casa sem essa, né?
Adoro barro. Rsss...

Passei a maior parte do tempo com meu sobrinho mais novo. O vejo tão pouco. Tô com medo que ele cresça e deixe de correr pra me abraçar, então tentei aproveitar.

Ri tanto!!! Demorei a conseguir explicar o que era irmã, primo, tio... rss... E ele também ria de tudo. O buraquinho no meio da barriga é “bigo”... e eu disse “É umbigo!”... e ele respondeu “Então dois bigo!”. Explicou-me a diferença entre sovaco e axila. Sovaco é quando é sujo, ( não depilado, talvez) e axila quando é limpo. O da mãe ele disse que era axila. Eu perguntei “E o meu, Rafinha?” “Hum... axila!” rsss... Deve ter ficado com pena de me magoar e dizer que o meu era sovaco.

Ele tá enorme, e me contou todo orgulhoso que já tava usando cueca “P adulto”. E assim que eu fui tentar carregá-lo, vi que não conseguia. E aí eu disse “É culpa da sua bunda P adulto!” E ele daaaava risada...
Fomos ao supermercado e ele queria ler tudo. E lia tudo mesmo, direitinho.

Minha irmã tava me contando que ele ouviu meu pai no telefone conversando e veio contar pra ela
_ Mãe, o vô vai comprar um terreno? Ele vai se mudar?
_ Não, ele tá comprando um terreno no cemitério.
_ Por que?
_ Porque já houve vezes em que a gente precisou fazer isso e fez correndo. É melhor se prevenir. Um dia ele vai morrer, eu vou morrer, você vai morrer.
_ Criança morre?!


Não deveria. Nem criança, nem mãe.

Ontem meu professor tava falando sobre atos administrativos impraticáveis e deu exemplos hilários. Entre eles um caso de uma província italiana onde o prefeito expediu um decreto proibindo as pessoas de morrerem porque não havia mais vagas no cemitério da cidade.
Que bom seria se fosse possível. E pra não soar tão absurdo a gente poderia restringir:
Não poderia morrer criança, e mãe só poderia morrer depois que os filhos já tivessem feito 40 anos.

Minha irmã e eu somos filhos de mães diferentes e as duas se foram. A dela quando ela tinha cinco anos, a minha quando eu tinha treze.
Vou sugerir que a gente apresente esta proposta de proibição de morte no congresso.
Acho que acaba sendo aprovada. Tanta coisa é!
Se o Estado tem que zelar pelo bem estar dos cidadãos, nada mais justo!

Mãe que perde o filho tem dores demais. E filho que perde a mãe “antes da hora” fica perdido pelo resto da vida. Para ambos eu acho que ocorre algo parecido com uma amputação.

Vou lançar a campanha e começar a recolher assinaturas.
Será que muita gente me acompanha?

O fim de semana em família foi maravilhoso. Eu, meus irmãos e meu pai nos damos muito bem. A gente só ri e se diverte quando se junta. Mas eu fico imaginando como seria se tivesse mais uma figura no meio desta festa. E imaginar é tudo o que eu posso fazer.
Que bom que sou ótimo em fantasiar as coisas como gostaria que elas fossem.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Bip

O tempo passa e a gente engorda, enrruga, mas continua mais ou menos a mesma pessoa. “Mais ou menos” porque além de nosso corpo se transformar - nem sempre pra pior - vemos e ouvimos coisas que nos botam um pouco mais pra lá ou pra cá. De certa forma somos o resultado da soma das coisinhas ou coisonas que já sentimos. ( Ui! ) O cinema faz muito isso comigo.

Ontem vi um documentário tão bonito.
Ando exagerando nos adjetivos de uns tempos pra cá, e agora “bonito” me parece algo tão novo, tão grandioso! Parece que é a primeira vez que o uso esta palavra. A medida certa para a ocasião.
O documentário de Irene Taylor Brodsky, “Hear and now” me fez viver mais um daqueles momentos do cinema que eu gostaria de compartilhar com todas as pessoas de quem gosto, mas que infelizmente, por falta de oportunidade ou de jacuzisse de algumas pessoas, acabo guardando só pra mim. Tem horas que me canso de tentar mostrar algo além dos filmes de sempre pra quem quer ver sempre os filmes de sempre. Que pena.

O documentário trata de um casal de senhores com deficiência auditiva que se submete a uma cirurgia para tentar ouvir o mundo. Ela no ouvido direito, ele no esquerdo. Detalhe? Tente descobrir.

O documentário apresenta conflitos que parecem ter sido importados de uma boa obra de ficção. E eu vou ter que me segurar muito pra não falar sobre eles! Tenho sempre um comichão que me cutuca nessas horas. Eu chego e digo: Não vou falar... Não vou falar... mas eu não aguento!!!! Respira, Leandro! Respira... Ai, ai, ai...

Há diversos momentos memoráveis no filme, mas um que me fez começar a choramingar aqui é quando o implante dos dois é conectado um mês após a cirurgia.
O médico aperta o botãozinho, diz "now", e a senhora dá um pulinho. O pulo de fora foi pequeno, mas o de dentro deve ter sido muito grande. Ela dá um pulinho e sorri. O mundo depois de 65 anos apresenta uma novidade assustadora a alguém que talvez não esperasse muito de sensacional nem dos dias nem das noites. Os olhos se enchem de água e a felicidade parece que vai escapar. E tudo o que ela ouviu naquele primeiro momento foi um “bip”.
Um “bip”.

Depois disso o mundo é outro. Inicia-se um novo período de somas.
As ondas têm som! O vento tem som!
Quem diria?! Quem iria imaginar? Nunca ninguém havia dito isso a eles!
Como puderam omitir? Como?!

Difícil para nós, que temos a sorte de ter nossos sentidos funcionando com eficiência, imaginarmos uma sensação como essa. Tô aqui tentando trazer esta coisa toda pra mim e me matando pra encontrar um exemplo que se aproxime, mas tudo de maravilhoso que conheço no campo das sensações parece pouco: a primeira vez que se come a carne com batata da tia Maria, ou o feijão da tia Eva. A primeira vez que se vê um quadro caprichado do Klimt, o centauro do Bourdelle, a suíte n. 1 do Bach, ou o primeiro “eu te amo” que o Rafa disse ao pé do meu ouvido.

Quando vivi estes momentos eu já tinha os sentidos funcionando a todo o vapor mas acredito que foram meus “bips”. Não chegam nem perto, imagino, do “bip” que baqueou a Sra. Sally Taylor, mas deram uma renovada no meu mundo. Foram fatores de alto valor na soma da minha vida.