quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A praga da década

Pior que os de insetos que causam prejuízos imensos aos agricultores, pior que a peste bubônica que acabou com 1/3 da população européia, pior que a lepra, pior que a roubalheira do governo que tira a merenda de criancinhas carentes.

É ele, o Blog.

Sim, é irritante esta possibilidade que as pessoas têm de dizer ao mundo (ao mundo mesmo!!) o que pensam.
E ela se torna letal quando associada à inclusão digital e ganha características de pecado imperdoável quando leitores de horóscopos – ou mesmo uns livros (que em muito se parecem com horóscopos) – resolvem ser escritores.

Nenhum ser metido a blogueiro tem lá muita autocrítica para perceber quando escreve mal, tem um papo chato ou muito - mas muito - desinteressante. E há ainda aqueles que escrevem “seje”.
Tanto texto ruim, ruim, ruim... infinito de ruim. Textos que têm doenças sem cura.


Que dor no coração!


Quero deixar bem claro que me coloco à disposição do julgamento de outro chato como eu, que tem todo o direito de dizer que eu sou mais um mala.

Porque as coisas são assim: Se você quer ter o direito de dizer/escrever o que quer, tem que se preparar para ouvir/ler o que os outros acham do que você diz/escreve.

Vamos lá. Aponte sua zarabatana envenenada e atinja em cheio meu pescoço! Cometa esta maldade, me magoe, acabe com meus sonhos, impeça que eu me expresse.


Na faculdade, em mais uma das memoráveis aulas do meu querido professor Joaquim Alves Aguiar, entramos na questão “gostar de escrever”, e me recordo dele ter dito: “Trabalho com literatura há quase 40 anos. Nunca me meti a escrever nenhuma linha de ficção ou poesia. Sou péssimo. Uma bisca de péssimo!” Ele dizia que se arrepiava todo quando um conhecido se aproximava e dizia : “Você gosta de ler, né? Vou te dar uns poemas que escrevi, uns contos”. E lá vinha uma avalanche de abobrinha, e poemas que rimavam cabeça com cabeça, Marina com narina, e por aí vai.

A grande questão, eu acho, é compreender que o estado de poesia, o estado de inspiração, pouco tem a ver com o ato de escrever.
Escrever não tem a ver com desabafar!

Ah... bons tempos dos diários com cadeado.

Imagine quantas pessoas apaixonadas estão suspirando neste instante; e se todas elas fossem escrever um poema quantos seriam dignos? E “digno” é a palavra ideal para um caso como este.

E tem também os filósofos.
Dentre as diversas espécies, há o marxista de bar, o anarquista de praça, o hippie de butique, o vegetariano ingênuo, os esotéricos meigos, os paulocoelhanos, e uma das mais perigosas formas de vida que já habitaram a terra: os adolescentes “politizados”.
Vira e mexe cruzo com um texto desses por aí, cheio de “tipo, meu, sabe, nossa, cara, tipo, foda, entende? Isso dos caras tal e, tipo... sei lá, eu não vou me render a este sistema sujo e vazio.” E um monte de coisa sem pé nem cabeça.
Vale lembrar que a adolescência pode ir bem além dos 19 anos. Beeeem além.


Escrevam! Podem escrever. Mas guardem os arquivos em pastas escondidas nos seus micros, please!

O que pretendo com estes comentários maldosos e prepotentes?

Desabafar. Falar das coisas sem que ninguém tenha perguntado a minha opinião.

Ser blogueiro não é mais ou menos isso?

Cá estou eu, oras!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Rua Augusta

Ela era forte como pedra, mas como nada dura, nada dura.
Gritou bem alto "Eu sou a flor que só desabrocha na primavera desta cidade. De mais nenhuma outra!"

Começou a cantar e o vendedor de livrinhos de poesia parou pra anotar. O tiozinho da banca debruçou no balcão e abaixou a cabeça para ouvir com a nuca. A bichinha que passava também parou depressa, atenta, encostou no poste e ficou lá, com um risinho meigo apertado entre os ombros encolhidos.

"Eu
Sô loca do rímel
Eu choro e me borro
São lágrimas de amor
Negras
Tatuam meu rosto
Marcas do tempo
Da entrega sem pudor
Eu
Ando pela cidade
Esperança poste a poste
Me sento num bar
Solidão
Se senta comigo
Passamos a tarde
A rir e a relembrar
Solidão
Tão bem humorada
De tanto rir
Um dia me mata
Eu
Um dia cega
Me entrego a braços fortes
Por minutos de amor
O tempo passa
O amor se acaba
E ele me diz
"Sinto muito, baby!"
O que ele não sabe
É que eu prefiro
Uns minutos de suspiro
A uma vida blalalá
Retoco, retoco, retoco o rímel
E parto
Desvairada
Errando de novo, quebrando minha cara, fodendo minha vida
Pois acho que no fundo
O resultado
Da soma dos erros
Deve ser um acerto
E assim seguimos
Eu e os meus cílios enormes
Valsando na vida.
Um, dois, três.. um, dois, três
E damos uma voltinha"

Deu uma pausa. Respirou fundo. Silêncio.
Piscou, causou um vendaval e desapareceu.

O tio da banca roncava, o poetinha guardava a caneta no bolso e torcia o nariz, a bichinha aplaudia quase sem desgrudar as mãos.