terça-feira, 25 de maio de 2010

Papiro de Ebers

************************ ATENÇÃO! **********************************

O TEXTO ABAIXO É DOTADO DE CONTEÚDO ERÓTICO NÃO INDICADO A MENORES DE 18 ANOS.

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No consultório a moça relutou.

Fez diversas perguntas, pediu nova receita de anticoncepcional e falou de umas dores que andava tendo na região dos rins. Dores que ela achava ter a ver com os ovários.

Era lamentável, mas estava decidida a não tocar no assunto que realmente a levara até lá.
Levantou-se da cadeira em direção à porta.
Já havia até se despedido e apertado a mão do doutor.

De repente, deu uma rasteira na vergonha.
Falou bem depressa para que nada pudese impedi-la.

- Faz mal engolir esperma, doutor?

Ele fez um esforço enorme para não rir. Respirou fundo e fingiu um espirro. Respondeu meio que sem pensar.

- Pode não fazer bem. Mas... mal não faz!
- Certeza, doutor?
- Certeza!

Foi embora aliviada.

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O riso mais delicioso é o que se dá sozinho. Consigo ou de si próprio.


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Saiu depressa do consultório, e a vergonha correu atrás dela.
Alcançou.
Ficou corada.
Como teve coragem?

Lembrou-se do sábado anterior. Do susto que levou quando sentiu aquele gosto na boca.
Lambeu os beiços.


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O novo namorado era um rapaz que trazia em cada gesto, em cada ângulo, uma virilidade capaz de fazer tombar de desejo.

Gemiam ao vê-lo. Gozavam ao tocá-lo. Morriam quando ele partia.

Durante o sexo dizia indecências que revelavam seu ego tão bem estruturado quanto seu porte.

Na primeira noite em que estiveram juntos na cama ela se assustou com as proporções incomuns que percebeu com as mãos. O quarto estava quase escuro. Ela lhe disse baixinho:

_ Devagar no começo, por favor!


Quando a festa começou ela pensou: "Deus existe!"

E a heresia foi recompensada com um orgasmo que a deixou atordoada a ponto de só despertar minutos depois, quando sentiu a boca cheia.

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- Não bebi. Eu engoli. É diferente.

Resolveu contar a novidade à sua confidente justamente na hora da sobremesa. Sorvete.

- Ai, como você é nojenta!

A lembrança sempre lhe trazia suspiros.

- Ouvi dizer que faz bem pra pele também. Super nutritivo. Proteína pura. Ai ai...

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O namorado teve uma adolescência conturbada. Aos 15 anos os amigos já exibiam pelos nas axilas, ameaça de bigodes e passavam horas repetitivas falando sobre suas ejaculações e delícias que faziam quando estavam sozinhos em casa. E ele lá: pelado e relegado ao papel de ouvinte sonhador.

Dias depois do aniversário de 16 anos teve uma febre súbita. Deixou de ir à escola por uma semana.

Acamado e com aparência de quem está prestes a abrir mão da vida.

Em mais uma noite de tormentos e sonhos de febre, recebeu a visita de uma morena farta. Nua.
No sonho ela apenas bateu na porta do seu quarto e, já que ele não pôde responder, ela foi intrusa.
Um prazer repentino. Um frio desconcertante seguiu do pescoço ao umbigo umas dez vezes.

"Desculpe. Foi sem querer. Foi um acidente."

Polução noturna. Teve nove numa única noite.
Quando acordou era um homem. A cueca e os lençóis tiveram que ser jogados fora.

Masturbação: a recreação mais saudável da adolescência.

Em menos de seis meses se tornou animal.
Não era um homem. Era um macho.
Músculos divinos onde haveria de surgir. Pelos negros e brilhantes até onde a beleza permite.

As bocas da vizinhança se encheram de água.

E houve felicidade na vida de todos os que foram capazes de despertar nele o mínimo impulso erétil.

Era uma figura muito querida.

Solícito e consciente de seu talento.

Uma vizinha fogosa dos seus mais de trinta e cinco anos foi quem lhe ensinou muito do que ele exibia mundo afora. Num dia ele a enviou um bilhete de despedida e ao tentar ser carinhoso cometeu a imprudência de assinar: O esporrador.
A vizinha enfartou. Desolação e tesão.

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- Li na internet. Tá até no Papiro de Ebers.
- O que é isso?
- Tipo um tratado de medicina escrito no Egito faz teeeeempo. Dizem que tem uma parte que fala das maravilhas que o esperma pode fazer pela beleza da pele. Cléopatra parece que usava muito.
- Ai, como você é nojenta!
- Li também que uma colher de chá tem calorias equivalentes à de três pães.
- Noooooossa!!!! Que horrooooooor!


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O sexo entre eles era cada vez mais gostoso.
Nem sobras, nem vãos.

Descobriram juntos maravilhas perversas que fizeram, dia após dia, a vida valer a pena.

Ela havia adquirido o hábito de fazer confissões e perguntas constrangedoras após os orgasmos.
Lambeu a ponta da sua orelha e disse:

_ Você acha que eu engordei?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Rumba

Ela se foi.
Deixou como lembrança um galo bravo que passeia orgulhoso pelo quintal. Sozinho.

Também deixou uns discos.

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Eu resisti.
Muito.

Comentei com uma amiga:
- Ela é até bonita. Mas não posso levar a sério uma moça que dança rumba.
- Sei como é. Um dia terminei com um namoradinho quando soube que ele tocava cavaquinho.
- Não dá, né?
- É, não dá!

Ela me entendia.
Também estava perdida naquela erudição lamentável que muitas vezes nos impede de sorrir.

Quando fui conversar com minha mãe eu disse:

- Ela dança rumba.
- Sei.

Minha mãe também entendia.

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Até o dia em que a vi dançar, eu estava sempre meio sozinho e irritado. E franzia os olhos para quase tudo o que via.

Até o dia em que a vi dançar.

Mas não se tratava de um fascínio fácil. Não era uma admiração banal.

No início tudo nela me incomodava: As sandálias de salto muito alto, as panturrilhas bem marcadas, as pernas bronzeadas, a saia acima do joelho, o sorriso que se abria demais, o jeito que ela prendia o cabelo, a mania de ignorar o suor. Tudo me lembrava pobreza. E me incomodava.


Com o tempo eu passei a me deixar derreter e comecei a me explicar:


- Sim, ela dança rumba. Mas é uma rumba meio flamenca, sabe?

A lista de poréns foi ficando cada vez menor.

Passei dias avaliando as probabilidades e as impossibilidades.
Pensava nos seus talentos marginais, nas suas habilidades sem valor. No seu esforço inútil em ser reconhecida.

O que ela poderia me oferecer afinal?


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Sei que ela me olhava.
Me olhava e me via.

A surpreendia me encarando enquanto respirava afoita com as mãos apoiadas nos quadris ouvindo as instruções do coreógrafo. E eu sempre fingindo estar concentrado aguardando a minha hora de ensaiar.

Dividíamos, de certa forma, o mesmo palco. Ela passando as tardes enlouquedendo em rodopios que pareciam nunca ter rumo. Eu em meus religiosos compassos e razões acompanhado de um violino ciumento.

Pensei comigo:

"Eu acho que a gente não tem nada a ver. Melhor a gente parar com estes olhares. Esta história não tem futuro."

Ela nem sabia meu nome, garanto. E eu, mesmo apaixonado, me referi a ela com certo desprezo em todas as conversas em que sua figura esteve presente. Um desdém gratuito e covarde.

- Gostosa esta da saia branca. Cê não acha?
- Não acho não. Nada demais.

Houve um dia em que ela ficou na platéia. Coisa rara. Viu todo o ensaio do pessoal da orquestra.

Me atrapalhei todo. Engasguei com a própria saliva. Abandonei o ensaio e depois acabei até vomitando.

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Um dia tivemos uma tarde de folga. Vistoria dos bombeiros no teatro. Fomos todos, elenco e músicos, a uma exposição de filhotes perto dali. Ela fazia caretas lindas para todos os bichinhos.

Na saída podíamos escolher entre um peixinho e um pintinho para levar pra casa. Eu agradeci e disse que não tinha tempo pra cuidar de nenhum dos dois. Ela se encantou com um pintinho. Chegou a escolher entre muitos numa caixa. Desconheço o motivo. Eram todos amarelos.

Equilibrava-o na palma da mão e parecia que era dona do mundo.

- Não é uma gracinha?
- Sim, uma gracinha.

Não pude resistir.

Depois teve um cheese salada, um refrigerante, umas cervejas e minhas noites nunca mais foram as mesmas.

Ela acabou vindo morar comigo. Fomos bastante felizes. Eu, ela e o pintinho - que na breve adolescência, comum dos pintinhos, se tornou um bicho muito feio e desengonçado. Feiura ideal e necessária.

Um dia eu a percebi parada na porta com o olhar triste em direção ao quintal. O pintinho havia se transformado num galo de crista poderosa, peito estufado e cauda impressionante.

Ela estava emocionada. Me olhou meio chorosa e disse que ia dar uma volta.

Eu a segui até o portão e a vi desaparecer virando a esquina. Não olhou para trás.
Dias depois ligou dizendo que queria passar em casa pra pegar umas coisas.

Não ousei perguntar o que tinha acontecido.
Minha mãe disse que tinha previsto.

- Não se pode esperar lógica e consideração deste tipo de pessoa.

Levou quase tudo o que era dela. Deixou o galo e uma infinidade de discos de ritmos latinos.

O galo eu alimento e às vezes até conversamos nos fins de tarde em que estamos dispostos.

Os discos nunca me interessei em ouvir. Nunca gostei de rumba e desse tipo de coisas.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Breve

“... que sono...”

Os olhos pesavam. Impossível mantê-los abertos.

Ouviu vozes que pareciam trocar segredos:

- Vai ter que amputar, coitado. Vai ter que amputar!
- Se ele continuar a sangrar assim vai acabar morrendo. Aperta. Aperta.
- Meu Deus. Vai ter que amputar!

“...Moça! Cê sabe que horas são?...”

- Você não pode dormir, menino! Aguenta!

Sentiu um leve cutucão lá dentro da nuca. E como num sonho ouviu uma voz divina:

- Não pode mexer no pescoço.

“...Tenho que ligar pra minha mãe avisando que vou atrasar. Tá escurecendo. Nossa... o dia passou depressa...”

- Não dorme, querido. Não dorme não. Segura aqui na minha mão.

“Que moça bonita! Casaria com ela se a minha mãe deixasse.”

- Já chamaram o resgate? Alguém tem que avisar a mãe dele.
- Na mochila deve ter algum caderno, alguma agenda.

“...Tô ferrado. Elas também vão descobrir que eu não fiz a lição...”