segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Bip

O tempo passa e a gente engorda, enrruga, mas continua mais ou menos a mesma pessoa. “Mais ou menos” porque além de nosso corpo se transformar - nem sempre pra pior - vemos e ouvimos coisas que nos botam um pouco mais pra lá ou pra cá. De certa forma somos o resultado da soma das coisinhas ou coisonas que já sentimos. ( Ui! ) O cinema faz muito isso comigo.

Ontem vi um documentário tão bonito.
Ando exagerando nos adjetivos de uns tempos pra cá, e agora “bonito” me parece algo tão novo, tão grandioso! Parece que é a primeira vez que o uso esta palavra. A medida certa para a ocasião.
O documentário de Irene Taylor Brodsky, “Hear and now” me fez viver mais um daqueles momentos do cinema que eu gostaria de compartilhar com todas as pessoas de quem gosto, mas que infelizmente, por falta de oportunidade ou de jacuzisse de algumas pessoas, acabo guardando só pra mim. Tem horas que me canso de tentar mostrar algo além dos filmes de sempre pra quem quer ver sempre os filmes de sempre. Que pena.

O documentário trata de um casal de senhores com deficiência auditiva que se submete a uma cirurgia para tentar ouvir o mundo. Ela no ouvido direito, ele no esquerdo. Detalhe? Tente descobrir.

O documentário apresenta conflitos que parecem ter sido importados de uma boa obra de ficção. E eu vou ter que me segurar muito pra não falar sobre eles! Tenho sempre um comichão que me cutuca nessas horas. Eu chego e digo: Não vou falar... Não vou falar... mas eu não aguento!!!! Respira, Leandro! Respira... Ai, ai, ai...

Há diversos momentos memoráveis no filme, mas um que me fez começar a choramingar aqui é quando o implante dos dois é conectado um mês após a cirurgia.
O médico aperta o botãozinho, diz "now", e a senhora dá um pulinho. O pulo de fora foi pequeno, mas o de dentro deve ter sido muito grande. Ela dá um pulinho e sorri. O mundo depois de 65 anos apresenta uma novidade assustadora a alguém que talvez não esperasse muito de sensacional nem dos dias nem das noites. Os olhos se enchem de água e a felicidade parece que vai escapar. E tudo o que ela ouviu naquele primeiro momento foi um “bip”.
Um “bip”.

Depois disso o mundo é outro. Inicia-se um novo período de somas.
As ondas têm som! O vento tem som!
Quem diria?! Quem iria imaginar? Nunca ninguém havia dito isso a eles!
Como puderam omitir? Como?!

Difícil para nós, que temos a sorte de ter nossos sentidos funcionando com eficiência, imaginarmos uma sensação como essa. Tô aqui tentando trazer esta coisa toda pra mim e me matando pra encontrar um exemplo que se aproxime, mas tudo de maravilhoso que conheço no campo das sensações parece pouco: a primeira vez que se come a carne com batata da tia Maria, ou o feijão da tia Eva. A primeira vez que se vê um quadro caprichado do Klimt, o centauro do Bourdelle, a suíte n. 1 do Bach, ou o primeiro “eu te amo” que o Rafa disse ao pé do meu ouvido.

Quando vivi estes momentos eu já tinha os sentidos funcionando a todo o vapor mas acredito que foram meus “bips”. Não chegam nem perto, imagino, do “bip” que baqueou a Sra. Sally Taylor, mas deram uma renovada no meu mundo. Foram fatores de alto valor na soma da minha vida.

3 comentários:

  1. Não po, fazer o avestruz = enfiar a cara vermelha de vergonha debaixo da terra e esperar, rsrsrs

    Meu corpo vem se transformando pra pior numa queda meteórica (hehehe), mas espero que ao menos minha cabeça esteja se tornando algo mais interessante. Pelo menos eu tenho a impressão de que está. Erros e acertos que talharam isso que eu sou hoje eu tenho e de monte... rsrs Especialmente erros - mas acho que são exatamente eles que me fazem melhor ;)

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  2. Eu quero umas dicas de filmes! Põe aí pra gente, vai? ;)

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  3. Olha só meu amiguinho escritor!!! Tô brincando! Confesso que à medida que lia não pude deixar de sentir um pouquinho de raiva, por lembrar do episódio do filme "O bebê de Rosemarie"... (nem sei se é assim q se escreve, não sou tão culta, mas o problema não é ser culta ou não e sim ter um amigo boca aberta como vc!!!)
    Bjão!

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